Título: Trava na gastança
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2007, Economia, p. B2

Não é segredo para ninguém que, nos últimos dez anos, os gastos correntes do governo federal aumentaram em ritmo mais rápido do que o crescimento da economia. Essa trajetória continuará este ano e, se nada for feito, também será observada em 2008. Por isso, é meritória a iniciativa do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) de tentar colocar uma trava para o crescimento das despesas correntes. Mercadante vai apresentar um projeto de resolução que obriga toda proposta de emenda constitucional, decreto legislativo ou projeto de lei a ser analisado do ponto de vista do seu impacto sobre as metas fiscais do governo federal no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois anos subseqüentes.

A lei complementar 101/2000, também conhecida como lei de responsabilidade fiscal (LRF), já prevê que a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa obrigatória de caráter continuado deverá ser acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que entrar em vigor e nos dois anos subseqüentes. O problema é que essa determinação sempre foi vista do ponto de vista meramente formal, ou seja, nunca houve efetivamente um órgão encarregado de verificar se a regra estava sendo cumprida.

Durante os quase sete anos de vigência da LRF, as despesas de caráter continuado não pararam de aumentar. Nesse período, as metas fiscais só foram cumpridas porque o Congresso Nacional aprovou, sistematicamente, a elevação das alíquotas dos impostos e das contribuições ou a ampliação das bases de cálculos dos tributos.

Foi uma ilusão achar que o dispositivo da LRF, por si só, seria suficiente para conter a gastança. Não conteve. Durante a vigência da LRF, o Congresso aprovou despesas de caráter continuado e, em seguida, aumentou a carga tributária. Essa prática, infelizmente, não ficou restrita ao governo federal. Ela se disseminou pelos Estados e municípios, de tal forma que, em um espaço de apenas sete anos (2000 a 2006), a carga tributária global (federal, estadual e municipal) cresceu seis pontos porcentuais do Produto Interno Bruto (PIB) - quase um ponto porcentual ao ano.

Ao final de 1999, a carga tributária global correspondia a 31,74% do PIB. Em 2005 ela atingiu 37,37% do PIB e, no ano passado, estima-se que tenha alcançado os 38% do PIB. O dado referente a 2006 ainda não foi divulgado pela Secretaria da Receita Federal, mas 38% do PIB é uma hipótese bastante plausível.

A carga tributária federal passou de 22,14% do PIB em 1999 para 26,18% em 2005 e pode ter superado 26,5% do PIB em 2006 - ou seja, um aumento de 4,36 pontos porcentuais do PIB durante a vigência da regra da LRF que obriga a estimativa prévia do impacto orçamentário-financeiro da criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa obrigatória de caráter continuado.

A trajetória das despesas correntes da União, durante a vigência da LRF, mostra que não basta uma legislação bem intencionada para conter a gastança. Em 1999, os gastos correntes estavam em 15,7% do PIB, segundo dados do Ministério do Planejamento. No ano passado, eles atingiram algo como 18,6% do PIB, segundo estimativa das consultorias de orçamento da Câmara dos Deputados e do Senado - um aumento de 2,9 pontos porcentuais do PIB.

Se a regra da LRF tivesse sido observada ao longo dos últimos anos, o governo não teria concedido aumentos tão elevados para o salário mínimo por causa de suas repercussões nas despesas da Previdência Social e da assistência social. Ou melhor: o presidente da República teria que ter explicitado, de forma clara e transparente, a sua intenção de elevar a carga tributária para pagar a conta do aumento do salário mínimo.

Foram as despesas com a Previdência e com a assistência social que mais cresceram durante a vigência da LRF. Segundo os dados do Ministério do Planejamento, as despesas da Previdência passarão de 5,9% do PIB em 1999 para 8,11% do PIB em 2007 - uma elevação de 2,21 pontos porcentuais do PIB.

Os gastos com o pagamento de pessoal também aumentaram muito no ano passado. O governo não apresentou a estimativa econômico-financeira dos numerosos aumentos de salários para o funcionalismo que concedeu em 2006 e nem avaliou o impacto sobre as metas fiscais neste exercício e nos dois subseqüentes. O Poder Judiciário também não fez uma avaliação dessa natureza quando propôs o aumento dos salários de seus servidores, que terá um custo estimado em mais de R$ 5 bilhões.

A proposta de Mercadante é a de atribuir à Comissão Mista de Orçamento do Congresso o poder para apreciar o impacto fiscal dos projetos que aumentam as despesas de caráter continuado. Essa avaliação seria feita, de acordo com o projeto de resolução do senador petista, no início da tramitação do projeto que aumenta o gasto. Uma despesa de caráter continuado é aquela que permanece ao longo dos anos, como é o caso de um aumento de salários do funcionalismo.

A Comissão de Orçamento poderá, em seu parecer, determinar mudança no projeto analisado ou, até mesmo, a sua rejeição definitiva. Ou seja, se não ficar demonstrado que o projeto em análise é compatível com as metas fiscais do ano em que ele entrar em vigor e dos dois exercícios subseqüentes, a Comissão proporá a sua rejeição. Assim, o projeto da gastança seria travado ainda no nascedouro. 'O que se pretende é dar um salto de qualidade na responsabilidade fiscal', sintetizou Mercadante, em conversa com este colunista.

O projeto do senador petista cria, no âmbito da Comissão de Orçamento, um 'comitê de adequação da compatibilidade econômico e financeira'. Esse comitê é que analisará os projetos e propostas que criam ou ampliam as despesas de caráter continuado. Ele terá sete membros e fará reuniões semanais. Os pareceres deste comitê terão caráter terminativo no âmbito da Comissão Mista de Orçamento.

Se aprovado, o projeto poderá se transformar num obstáculo a mais contra a gastança. É fundamental construir esse tipo de barreira pois, daqui para frente, ficará cada vez mais difícil elevar a carga tributária. A sociedade já manifestou a sua repulsa contra novo aumento de imposto. Já ficou claro para a maioria dos economistas que, se o Brasil quiser crescer de forma acelerada, terá que reduzir a carga tributária, o que só será possível com o controle dos gastos públicos.