Título: Um fórum ameaçado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2007, Notas e Informações, p. A3
O Fórum da Previdência iniciou quarta-feira a fase de debates técnicos, com um prazo de cinco meses - até 9 de agosto - para formatar e aprovar propostas de reforma. Começou a ser discutido, assim, o maior problema das contas públicas brasileiras, mas, como afirmou o colunista Celso Ming, no Estado (6/3, B2), ¿o Fórum pode estar sendo montado apenas para sacramentar o que já está decidido¿.
Esta é uma ameaça concreta, proveniente das entranhas do governo, que nas últimas semanas se esmerou em demonstrar que do desequilíbrio financeiro do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de R$ 42 bilhões, no ano passado - estimado em R$ 47 bilhões, neste ano -, apenas 10% se devem à diferença entre a arrecadação das contribuições e os benefícios pagos. Os outros 90% são produzidos pelas aposentadorias rurais, as renúncias fiscais e a falta de transferência para o INSS da parcela que lhe deveria caber da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF). Ou seja, o desequilíbrio teria origem em fatores não previdenciários.
Aceita essa avaliação exaustivamente apresentada à opinião pública, primeiro, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, depois, pelo ministro da Previdência Social, Nelson Machado, o governo poderia se eximir da reforma previdenciária - pelo menos, de uma reforma digna desse nome, que exigiria, no mínimo, rever as regras de aposentadoria do INSS para os que estão ingressando no mercado de trabalho e regulamentar a legislação em vigor para as aposentadorias do setor público.
Até agora, houve apenas uma reapresentação do problema previdenciário. O Ministério da Previdência passou a fazer um novo balanço das contas do INSS, em que o vilão - o déficit - encolheu, em 2006, para R$ 4,1 bilhões. Ainda assim, esse déficit poderá ser eliminado, nos próximos anos, com medidas administrativas, como afirmou Machado ao Estado (3/3, B10) - sem necessidade, pois, de qualquer reforma.
Há fundamento teórico para a mudança contábil apresentada pelo governo, mas, na prática, o Tesouro continuará obrigado a pagar as aposentadorias. O desequilíbrio, portanto, será deslocado para outro item das contas públicas, sem ser eliminado. Sua redução exigiria que o governo compensasse o déficit com o corte de despesas de custeio da gigantesca máquina estatal ou, então - hipótese ainda menos provável que a anterior -, que arrostasse a impopularidade, eliminando renúncias fiscais ou cortando dispêndios com a aposentadoria rural, além de tornar rígida a destinação original da receita da CPMF.
Reformas previdenciárias são indispensáveis devido ao impacto econômico de longo prazo do déficit sobre as contas fiscais. Entre 1988 e 2006, o valor dos benefícios do INSS passou de 2,5% do PIB para 8% do PIB e tende a crescer com o aumento real do salário mínimo, que corrige 2/3 dos benefícios. O desequilíbrio só será atenuado com a adequação dos benefícios às novas tábuas atuariais, periodicamente refeitas para incorporar o aumento da longevidade, e com a desvinculação do salário mínimo do piso previdenciário. Sem isto, mais carga tributária será necessária para suprir o INSS.
A reforma previdenciária tem grande impacto político, como se viu em países ricos, como a França e a Grã-Bretanha. Por isso, se o governo não comandá-la, ela não sairá do papel.
E o governo não está minimamente interessado nisso. ¿O Fórum vai propor reformas de longo prazo e sem terror¿, disse Machado ao Estado. Trata-se de uma grave impropriedade, pois o verdadeiro ¿terror¿ é o risco de a conta previdenciária se tornar tão desequilibrada, no futuro, que inviabilize o pagamento de benefícios semelhantes aos atuais.
Do Fórum da Previdência seria de se esperar mais do que propiciar um amplo debate das questões previdenciárias, para que os cidadãos possam se inteirar dos complexos desafios fiscais. O papel do Fórum deveria ser o de preparar o caminho para que o governo enfrente uma reforma previdenciária profunda, sem escamotear o fato de que, por motivos demográficos e fiscais, a Previdência terá de se ajustar à realidade.