Título: 'Bush precisa de fi-lan-tro-pia'
Autor: Machado, Juliano e Carranca, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2007, Nacional, p. A9

Se tiver a chance, o artesão sergipano Reginaldo Ribeiro Mota, de 59 anos, dirá a Laura Bush que seu marido, o presidente George W. Bush, precisa de mais ¿filantropia¿. Fi-lan-tro-pi-a, como gosta de pronunciar, sílaba a sílaba, foi a primeira palavra que ele conseguiu ler inteira, sozinho, graças às aulas que recebera do Alfabetização Solidária, projeto que a primeira-dama visita hoje pela manhã. ¿Fiquei com essa tal fi-lan-tro-pi-a na mente até um amigo me dar a idéia de ver um dicionário. E você sabe o que significa? Profundo amor à humanidade. É isso que falta a esse homem (Bush), que, em vez de guerra, devia investir era em educação, saúde e alimentação. É isso que interessa.¿ Lição de quem só pisou numa sala de aula aos 58 anos.

Reginaldo e outros nove alunos do Alfabetização Solidária entregarão uma redação à primeira-dama. Laura Bush também ouvirá o samba da banda Coisa Linda de Deus, formada por cinco jovens - voz, violão, cavaquinho, flauta transversal e pandeiro - na sede do projeto Cidade Escola Aprendiz, na Vila Madalena. O grupo soube da apresentação há dois dias e, desde então, ensaiou 30 músicas de Cartola, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Chico Buarque e Novos Baianos. De lá, ela deve acompanhar o marido a um show de percussão do Meninos do Morumbi.

Na sede do Alfabetização Solidária, nos Jardins, Laura assistirá à simulação de uma aula - foi montada uma sala com mesas, cadeiras e lousa, especialmente para o encontro. Participarão dez jovens e adultos recém-alfabetizados como Reginaldo Mota, que viajou 2.168 quilômetros de Riachão do Dantas (SE) a São Paulo só para se encontrar a primeira-dama. Ele ganhou a viagem por mérito: venceu o concurso anual de redação com um texto sobre sua vida.

O resumo: filho de uma lavadeira batalhadora, criado sem pai e de infância tão pobre que não conheceu escola, tornou-se alcoólatra aos 16 anos e, na luta para vencer o vício, viu-se obrigado a procurar uma sala de aula - ele não conseguia ler as apostilas da organização Alcoólicos Anônimos. Hoje, ele toca a própria ONG, de nome cumprido, mas que Reginaldo não tem mais dificuldade para ler: Associação Sistema de Combate ao Alcoolismo do Riachão do Dantas. ¿Foi como se eu acordasse de um longo sono¿, diz, sobre aprender a ler e escrever. Ontem, ele estava ansioso para o encontro com Laura. ¿Como venho de baixo, é importante conhecer pessoa de tão alto padrão mundial.¿

Já o educador David Vitor dos Santos, que veio de Alagoas para conhecer a primeira-dama, gostaria de pedir a ela mais investimentos em programas de alfabetização. ¿Acho egoísmo que um país tão rico como os Estados Unidos invista em material bélico, enquanto tantas pessoas morrem de fome e de doenças na África e não têm acesso à escola¿, diz ele, que dá aulas na pequena e pobre cidade de Messias. Um lugar onde a população não tem acesso à educação formal e vive de trabalhar na roça, mais especificamente no plantio de cana-de-açúcar - matéria-prima para produção do etanol, principal interesse de Bush na visita ao Brasil.

Foi Laura quem pediu à Casa Branca para identificar projetos a visitar no Brasil. O Alfabetização Solidária ela selecionara para a Conferência sobre Alfabetização Global, que organizou em 2006. ¿Os países em desenvolvimento que haviam erradicado o analfabetismo hoje enfrentam índices crescentes. E já não sabem como lidar com o problema, que atinge 18% da população¿, diz Regina Esteves de Siqueira, do Alfabetização Solidária, que já atendeu 5 milhões de jovens e adultos.

¿Laura Bush vem conhecer iniciativas que possam ser adotadas nos Estados Unidos e em países com os quais cooperam. O Brasil dá exemplo ao mundo.¿

A maioria dos alunos que conhecerão a senhora Bush mora em São Paulo, mas vem de longe. Por isso, escolheram ler para ela Canção do Exílio, de Gonçalves Dias: ¿Minha terra tem palmeiras/onde canta o sabiá/as aves, que aqui gorjeiam/não gorjeiam como lá.¿ E por aí vai. Eles também escreveram uma mensagem à primeira-dama: ¿O valor do estudo para nós é muito grande. Através da escrita e da leitura nos sentimos mais integrados na sociedade. Agradecemos a oportunidade de divulgar esta conquista ao mundo. Somos experientes e hoje podemos divulgar esta experiência¿. Assinam: Neusa, Fernando, Terezinha, Reginaldo, Rozileide, Maria de Fátima, Joel, Marinalva, Robson e José.