Título: O mapa da violência no País
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Embora venha diminuindo nas capitais e regiões metropolitanas de todo o País, o ritmo de crescimento da violência vem aumentando nas cidades do interior. Esta é uma das constatações de um levantamento comparativo realizado pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI). O estudo, que reúne dados estatísticos de 84 países de diferentes níveis de desenvolvimento, classifica o Brasil como o quarto mais violento, ficando atrás apenas da Colômbia, Rússia e Venezuela. A nossa média de 27 homicídios por 100 mil habitantes é 40 vezes maior do que a da Inglaterra, França e Alemanha.

A rigor, a pesquisa não traz informações novas sobre a situação da violência no País, pois as estatísticas utilizadas foram extraídas do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, cuja fonte são os registros de óbito. O estudo também mostra que o mapa de incidência da violência coincide com o mapa das desigualdades sociais e regionais brasileiras - um fato que já foi constatado há tempos pelo Censo de Vitimologia do IBGE.

Os números revelam que as taxas de mortalidade por homicídio tendem a subir entre os segmentos mais desfavorecidos da população, envolvendo basicamente adolescentes e jovens pobres. Em 2004, quatro de cada dez jovens mortos no País foram vítimas de assassinato. Entre 1980 e 2004, a taxa de homicídios cujas vítimas estavam na faixa etária entre 15 e 24 anos subiu de 30 para 51,7 por 100 mil habitantes. Entre as vítimas com idade superior a 25 anos, a taxa cai de 21,3 para 20,8 por 100 mil habitantes. A pesquisa também mostra que a taxa de assassinato de negros superou a de brancos em 73%.

A principal constatação da pesquisa é a tendência de ¿interiorização¿ da violência. Cerca de 72% dos homicídios ocorreram em 556 cidades, onde vivem 42% da população. E, dos dez municípios com maiores taxas de assassinatos, seis estão localizados no Centro-Oeste. São municípios de pequeno porte situados em áreas de conflitos fundiários, desmatamento, exploração ilegal de madeiras nobres e demarcação de terras indígenas. Das quatro demais cidades, a mais violenta é Foz do Iguaçu, no Paraná, que teve 223,3 assassinados na faixa etária entre 15 e 24 anos por 100 mil habitantes, em 2004. Por ser localizada na região da tríplice fronteira com o Paraguai e a Argentina, a cidade sofre a ação do crime organizado, principalmente o contrabando. Serra, município da Grande Vitória, aparece em segundo lugar, com 222 mortes de jovens por 100 mil habitantes, a maioria ligada a drogas.

Das cidades de grande porte, a mais violenta é Recife (PE), seguida de Maceió (AL) e Porto Velho (RO). Em todas elas, os crimes de homicídio estão relacionados ao tráfico e consumo de maconha, cocaína e crack. São Paulo aparece em 182º lugar no ranking das cidades mais violentas do País. Capitais como Florianópolis (SC), Natal (RN), Teresina (PI), São Luís (MA) e Manaus (AM) ficaram fora da relação. Por Estado, os campeões em matéria de homicídio são Pernambuco (onde se concentram as plantações de maconha no País), Espírito Santo (especialmente por causa do Porto de Vitória) e Rio de Janeiro (onde a criminalidade no interior é proporcionalmente mais alta do que na região metropolitana).

Embora não haja muita novidade na pesquisa da OEI, isso não reduz sua importância. O estudo é importante, entre outros motivos, porque ajuda a desmistificar a imagem difundida pela mídia de que a violência está concentrada em alguns focos, como as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo; mostra que os investimentos em policiamento nas grandes capitais vêm surtindo efeito; revela que a crescente interiorização das taxas de homicídio decorre da descentralização da economia; e aponta a necessidade de uma política de segurança pública para as cidades mais distantes, verdadeiras terras de ninguém, onde a presença do poder público é praticamente nula.

Além disso, o estudo ajuda a identificar as experiências que deram certo em matéria de segurança e reitera o que os especialistas há muito tempo recomendam para que o País possa vencer a luta contra a criminalidade. Ou seja, a necessidade de maior articulação dos três níveis de governo e de melhoria de qualidade nos gastos com educação e saúde.