Título: O novo caminho para a diplomacia americana
Autor: Cooper, Helene
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2007, Internacional, p. A28

No espaço de duas breves semanas, os EUA aceitaram realizar contatos de alto nível com Irã e a Síria e discutir o reconhecimento diplomático formal da Coréia do Norte. Será que o governo Bush fraquejou diante dos inimigos?

Ainda em 12 de janeiro, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, repetira uma atitude que se tornara constante na política externa de Bush - a recusa de conceder ao Irã, à Síria e à Coréia do Norte a legitimidade das negociações diplomáticas com os EUA enquanto eles não cedessem nas questões em disputa.

¿Isto não é diplomacia¿, afirmou Condoleezza num painel do Senado, defendendo a decisão de não negociar com o Irã e a Síria. ¿É extorsão.¿

Em público, funcionários de Washington insistiam quarta-feira que os novos gestos, incluindo um acordo para discutir a situação do Iraque com o Irã e a Síria, não significam uma mudança de política. ¿Não há ruptura¿, disse o porta-voz da Casa Branca, Tony Snow. ¿Algumas pessoas caracterizam a participação dos EUA num encontro regional como uma mudança de política. Não é nada disso.¿

Mas especialistas em política externa, críticos do governo no Congresso e ex-diplomatas discordam, afirmando que Washington parece ter reconhecido o quanto ficava de mãos atadas por insistir em dialogar só com amigos. Até Condoleezza qualificou a aproximação com Teerã e Damasco de ¿iniciativa diplomática¿.

¿A questão não é se o `eixo do mal¿ está morto; ele está tão vivo quanto ontem¿, disse Daniel P. Serwer, ex-diplomata que integra o Instituto da Paz dos EUA e foi diretor-executivo do bipartidário Grupo de Estudos sobre o Iraque. ¿A questão é se o conceito, como era aplicado, está morto. Para mim, é absolutamente claro: é preciso conversar com quem for necessário para que as coisas caminhem.¿

No governo, ocorre há tempos um cabo-de-guerra entre os partidários do envolvimento, representados pelos diplomatas do Departamento de Estado e às vezes liderados por Condoleezza, e os que buscam isolar os inimigos, liderados pelo vice-presidente Dick Cheney e defendidos por John R. Bolton, ex-embaixador dos EUA na ONU. No período que antecedeu a guerra no Iraque e nos anos imediatamente posteriores, os partidários do isolamento pareceram prevalecer.

Mas os defensores do envolvimento ganharam espaço com os resultados das eleições de novembro, o atoleiro do Iraque e o anseio por vitórias claras na política externa na fase final do governo Bush.

Um funcionário do alto escalão de Washington que defende ao menos um envolvimento limitado com os inimigos dos EUA afirmou que ¿não houve um despertar repentino¿ para essas idéias. No entanto, disse ele, ¿parece haver mais reconhecimento do sucesso limitado¿ da abordagem.

Uma conferência na Biblioteca do Congresso na noite de terça-feira pareceu uma reunião dos defensores do envolvimento. Na primeira fila estavam o ex-secretário de Estado Henry Kissinger e o novo subsecretário de Estado John Negroponte. Também estava presente Robert L. Galluci, negociador dos EUA durante a crise nuclear norte-coreana de 1994. Era um verdadeiro bando de defensores da realpolitik liderado pelo ex-secretário de Estado James A. Baker, que disse à audiência que ¿os EUA precisam estar preparados para conversar com seus inimigos¿.

Condoleezza tem sido criticada por conservadores da linha dura dentro e fora do governo. Até agora, a relação íntima com Bush permitiu que a secretária empurrasse o governo para o lado do maior envolvimento - ao mesmo tempo se esforçando para não ir mais longe do que o presidente deseja, disseram funcionários de Washington.

No caso da Coréia do Norte, Condoleezza pressionou em favor de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU impondo sanções a Pyongyang em resposta ao teste nuclear de outubro. Três meses depois, durante uma visita a Berlim, ela telefonou diretamente a Bush a fim de obter sua aprovação para que os EUA buscassem o acordo com a Coréia do Norte. Ao fazê-lo, Rice driblou instâncias de revisão da política governamental que haviam frustrado esforços anteriores de negociar um acordo, afirmaram funcionários do governo.

Na quarta-feira, o Departamento de Estado anunciou que, como parte do acordo - no qual a Coréia do Norte aceitou desativar seu principal reator nuclear em troca de alimentos e combustível -, Washington e Pyongyang realizariam ¿conversas de grupos de trabalho¿ sobre a normalização das relações na segunda e na terça-feira da próxima semana.

No caso do Irã e da Síria, Condoleezza usou uma estratégia similar de agressividade seguida de conciliação. Nas semanas anteriores à reviravolta de terça-feira, ela se uniu ao restante do governo Bush na retórica de confronto dirigida ao Irã. Acusou Teerã de ajudar milícias xiitas em ataques contra forças americanas. Referiu-se ao caráter ¿cada vez mais letal¿ desses ataques, que, segundo ela, os EUA não tolerariam.

De acordo com um funcionário de alto escalão do governo, a inflexibilidade ajudou Condoleezza a responder aos críticos que a acusavam de fraquejar. Além disso, afirmou o funcionário, a atitude permitiu que os EUA se sentassem à mesa com o Irã e a Síria numa posição de força. ¿O governo americano agora acredita ter influência¿, disse outro funcionário importante. ¿As pessoas perguntam o que mudou. Foi isso.¿

Ainda não está claro se um governo que se recusou por tanto tempo a conversar com os inimigos pode empreender uma mudança de atitude sincera. Neste momento, funcionários de Washington avisam que não têm planos de negociar diretamente com o Irã ou a Síria.

Mas eles disseram o mesmo sobre a Coréia do Norte. Enquanto os EUA reafirmavam que só tratariam com Pyongyang no âmbito de negociações multilaterais envolvendo seis países, representantes americanos reuniam-se cara a cara com colegas norte-coreanos.

Ainda assim, poucos no governo acreditam que Cheney mudou de idéia repentinamente e agora apóia o envolvimento. Isto significa que Condoleezza será pressionada para que apresente resultados rapidamente, uma tarefa difícil.

¿Não se pode esperar milagres¿, afirmou Lee H. Hamilton, co-presidente, ao lado de Baker, do Grupo de Estudos sobre o Iraque - que recomendou o envolvimento com a Síria e o Irã. ¿É necessário um esforço constante¿, disse Hamilton. ¿O sucesso diplomático requer uma preparação muito cuidadosa e uma continuidade de grande alcance.¿