Título: Antes tarde do que nunca
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Cinco anos após ter prometido enviar para o Congresso um projeto de lei complementar disciplinando a greve no setor público, o presidente Lula finalmente parece disposto a cumprir essa promessa. Segundo ele, só um governo dirigido por um ex-sindicalista teria autoridade para limitar a paralisação de serviços essenciais e setores estratégicos. ¿O que queremos garantir na organização do trabalho é maior responsabilidade, mais atos conseqüentes de todos nós¿, disse Lula na viagem a Georgetown, onde participou de encontro do Grupo do Rio. ¿Cada um de nós paga o preço pelos exageros que cometemos¿, afirmou, após lembrar as greves que liderou como líder metalúrgico.

Como era esperado, as centrais sindicais reagiram ao anúncio. Em nota oficial, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical (FS) reconheceram que o direito de greve concedido pela Constituição ao funcionalismo precisa ser regulamentado, mas anunciaram que resistirão a medidas restritivas. ¿Falar em proibir greve em determinados setores é absurdo¿, disse a direção da CUT.

O que levou Lula a retomar a promessa que fez há cinco anos é o receio de que o funcionalismo repita, no início de seu segundo mandato, o que realizou no começo do primeiro. Das 642 paralisações registradas entre 2003 e 2004, 49% foram deflagradas por servidores da administração direta. Quando se inclui a administração indireta, representada por empresas estatais e de economia mista, esse número sobe para 61,2%. No biênio inicial do segundo mandato do presidente Fernando Henrique, o porcentual foi de 33%.

Como, por falta de regulamentação do artigo 37 da Constituição, os servidores não podem ser demitidos quando fazem greve e não há reposição dos dias parados - medidas comuns no setor privado -, a possibilidade de sofrerem alguma punição é remota, o que os estimula a cruzar os braços por qualquer motivo.

Desde a ascensão de Lula ao poder, em 2003, o número de greves no setor público vem batendo recordes a cada ano. Em 2006, o funcionalismo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) cruzou os braços durante meses, comprometendo a produção de medicamentos de uso continuado. Os 5,2 mil servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ficaram parados 74 dias, deixando aposentados, pensionistas, trabalhadores doentes e gestantes sem ter como encaminhar pedidos de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, salário-maternidade e pensão por morte. A greve dos funcionários da Receita Federal contra a MP 258, que criou a ¿Super-Receita¿, retardou durante semanas a expedição de 30 mil pedidos de certidão negativa só em São Paulo, causando vultosos prejuízos para as empresas. E os serventuários das Justiças Federal e do Trabalho realizaram uma das mais longas greves da instituição.

Agora o governo teme que os policiais federais cruzem os braços durante os Jogos Pan-americanos que serão realizados no Rio de Janeiro, em julho. O governo também receia que o funcionalismo recorra a greves selvagens para tentar barrar a medida provisória que limita o aumento salarial do funcionalismo federal à inflação, mais 1,5% ao ano, incluída no Programa de Aceleração do Crescimento. Mas a preocupação maior é com os controladores de tráfego aéreo, pois o governo optou por desmilitarizar o setor, que é estratégico e não pode ficar à mercê de interesses corporativos do funcionalismo civil.

Desde a promulgação da Constituição nenhum governo teve força política para levar o Congresso a aprovar uma lei que discipline o direito de greve concedido aos funcionários públicos por seu artigo 37, inciso VII. Quem mais se empenhou foi o presidente Fernando Henrique Cardoso. O projeto por ele enviado ao Legislativo em 2001, após uma longa paralisação de professores de universidades federais e servidores do INSS, proibia o pagamento dos dias parados caso a greve fosse considerada ilegal pela Justiça e previa a demissão de servidores. Mas, por causa da oposição do PT, o projeto foi rejeitado.

Portanto, é no mínimo irônico que a proposta de regulamentar a greve no setor público tenha partido de Lula, sob a justificativa de que os líderes sindicais precisam ser mais conseqüentes.