Título: Crescimento rápido impede criação de sociedade harmoniosa
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2007, Internacional, p. A10

Para um ministro europeu de economia e finanças, a China é um sonho, às vezes um pesadelo. Na Europa, graças à conjuntura atual, o crescimento em 2007 deve chegar a 2%, talvez 2,5%. No caso da França há dúvidas: alguns juram que a taxa de crescimento será de 2%. Outros, mais realistas acham que não passará de 1,8%.

E, ontem, a China enviou notícias sobre o seu próprio crescimento, assombrosas.

O primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, que sucedeu a Zhu Rongji em março de 2003, pronunciou seu grande discurso diante dos 3.000 deputados da Assembléia Nacional do Povo (ANP). E o que declarou? Declarou-se culpado. Confessou que, no ano passado, o país não conseguiu controlar sua taxa de crescimento, que atingiu 10,7%, quando o objetivo fixado era 8%. Felizmente, o primeiro-ministro não se deu por vencido. Não só reconheceu sua fraqueza como prometeu ser mais sério em 2007. E se comprometeu: este ano, a China não repetirá os erros do passado. O crescimento não superará os 8%.

Por que a autocrítica? Porque o crescimento vertiginoso da economia resultou em danos colaterais. De um lado, uma degradação do meio ambiente e, de outro, desigualdades entre as camadas sociais e, sobretudo, entre cidades e campo.

Pequim deseja criar uma sociedade harmoniosa e o crescimento rápido é incompatível com esse objetivo. Acarreta uma necessidade enorme de energia, produzindo, em conseqüência, uma poluição insuportável e a deterioração do meio ambiente.

Wen investiu contra as autoridades locais e empresas que não aplicaram com rigor as normas ambientais. Exemplo: os chineses adoram construir belas casas e campos de golfe em terras agrícolas. Essas construções foram suspensas.

Entre os projetos de lei previstos este ano, um deles pretende submeter as empresas estrangeiras à mesma lei comum. Até agora essas empresas vêm sendo tributadas em 15% sobre o lucro, enquanto para as chinesas essa taxa é de 33%. As firmas estrangeiras perderão o privilégio. A taxação será a mesma para todos: 25%.

Há um outro projeto de lei bastante polêmico, que pretende estabelecer um marco legal para a propriedade privada. Esse projeto, favorável à iniciativa privada, já foi levado sete vezes à ANP e sete vezes foi retirado. Os defensores da ¿ortodoxia marxista¿ acham que a lei se constituirá num ¿fatal abandono¿ dos princípios de esquerda, destruindo o pouco de marxismo que subsiste na sociedade pós- maoísta.

É um confronto violento. Hoje, na China, existe uma disputa brutal entre os ¿ortodoxos¿ e os ¿reformistas¿. Mesmo no interior do partido há uma resistência de ¿esquerda¿ contra as conquistas do setor privado. Um grupo de professores e intelectuais de alto nível requereu, pela Internet, o ¿fim da privatização das empresas estatais¿ e condenou as ações que alimentam a avidez de uma classe de empresários, em detrimento do interesse público. A difusão online dessa petição foi bloqueada pela polícia.

O aviso foi claro: a direção do partido está decidida a empreender um combate à nova ¿esquerda¿, que congrega os nostálgicos do maoísmo e os social-democratas que denunciam o ritmo alucinante do crescimento chinês.

Assim, o primeiro-ministro procura se preservar à direita e à esquerda, ao mesmo tempo: deseja moderar o crescimento desenfreado, ouvir as reclamações dos pobres e camponeses e evitar uma deterioração do meio ambiente, sem adotar, por outro lado, idéias esquerdistas violentamente hostis a um crescimento puramente econômico em prejuízo da harmonia social.

As sessões da ANP devem durar dez dias. Servirão de preâmbulo para as grandes cerimônias do último trimestre do ano, com a realização do 17º Congresso do Partido. O presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao continuarão no posto, mas já se pode prever os temas que predominarão nesse Congresso: a China deve aceitar o crescimento a qualquer custo? E quais serão as regras a se estabelecer para o capital privado emergente do país?