Título: Risco de escapismo
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2007, Economia, p. B2
Amanhã se instala em Brasília o Fórum da Previdência. Parece um show de racionalidade: discutir o problema, definir um diagnóstico e encaminhar soluções. Mas a iniciativa corre riscos.
O ministro da Previdência, Nelson Machado, avisa que o remédio virá 'sem terrorismo'. O problema não são eventuais ameaças aos direitos do trabalhador; é o fato de que as decisões parecem previamente alinhavadas. Por isso, o Fórum pode estar sendo montado apenas para sacramentar o que já está decidido.
O governo anunciou que não vai mais publicar as contas em bloco. Está separando os rombos. (A tabela mostra a nova contabilidade). O choque de transparência mostra onde estão os problemas. Mas a desagregação dos números e o próprio Fórum correm o risco do escapismo.
Para o ministro, o déficit previdenciário em si não passou de R$ 4,1 bilhões em 2006, menos que 10% do déficit contabilizado. Os outros R$ 38 bilhões são renúncia de arrecadação (R$ 11,3 bilhões), aposentadorias rurais para as quais não houve contribuição (R$ 18,3 bilhões) ou despesas assistenciais estabelecidas pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto do Idoso (R$ 8,4 bilhões).
A subdivisão não acaba com o rombo. O Tesouro, o supridor de última instância, continuará a cobrir a diferença que cresce todos os anos, seja ela previdenciária ou assistencial.
O ministro Machado está convencido de que um déficit de R$ 4 bilhões pode ser zerado só com gestão competente, embora os novos dados demográficos (aumento da expectativa de vida) e o baixo crescimento econômico do País (que diminui as contribuições) exijam correções imediatas para desarmar a bomba.
A ênfase numa solução de gestão tende a desencorajar reformas mais profundas e a decretar o esvaziamento prévio do Fórum: se os problemas imediatos podem ser enfrentados só com boa administração, por que armar um Fórum que se instala com instruções expressas de só apresentar propostas tipo light?
É improvável que venham à luz dados novos ou idéias redentoras. Esses problemas estão entre os que mais foram discutidos por especialistas e pelas corporações neles envolvidas. Além disso, é questionável a realização do Fórum fora do âmbito do Congresso, a única assembléia com representatividade para discutir os interesses do País na matéria.
Se for aproveitado para criar e disseminar consciência pode ajudar. Mas o Fórum corre o risco de não passar de esquema para empurrar o problema para debaixo do tapete.