Título: 'É preciso ouvir todos para mudar o setor'
Autor: Marques, Gerusa
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2007, Economia, p. B9
Aprovado pela Comissão de Infra-Estrutura do Senado para uma vaga no conselho diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) - ainda falta a aprovação do plenário -, o embaixador Ronaldo Sardenberg defende mudanças no marco regulatório do setor. Ele considera necessário criar um processo estruturado de discussão sobre o assunto, que envolva todos os segmentos, como governo, agência, Congresso, empresas e usuários.
Para Sardenberg, convidado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comandar a Anatel, a agência está entrando em uma nova etapa, ¿mais forte e mais dinâmica¿, com autonomia, mas sem isolamento. A organização da Anatel, na opinião do embaixador, é um assunto interno, mas isso não descarta a possibilidade de se ouvir o Ministério das Comunicações sobre a nova estrutura. A seguir, trechos da entrevista.
O sr. fala da necessidade de mudar o marco regulatório. Seriam alterações pontuais ou uma Lei Geral de Comunicação, que aborde vários aspectos?
Ainda é cedo para essa definição. A minha idéia é que possamos fazer um processo estruturado de consultas. Ouvir sistematicamente os diversos fregueses da Anatel, como o governo federal, os usuários, as companhias, para que possamos delimitar áreas de consenso e as divergências. O ideal é que esse processo fosse rápido, mas acho que pode demorar. Em uma época de explosão tecnológica, é necessário acelerar a elaboração das leis. Com o passar do tempo, os problemas se agravam, com o aparecimento de lacunas e imprecisões.
Há duas iniciativas no Congresso para regular os setores de produção e distribuição de conteúdo. Com esses projetos, já é possível iniciar a discussão ou é preciso uma proposta mais consolidada no Executivo?
Conteúdo é uma questão mais ampla do que a Anatel, tal como ela está estruturada hoje. Se o órgão deve se dirigir ao conteúdo é algo que devemos todos pensar. A Federal Communications Commission dos Estados Unidos se dirige ao conteúdo. Mas é uma discussão mais ampla que a Anatel, é uma discussão nacional.
Esse é o momento de se voltar a discutir a Anacom (Agência Nacional de Comunicação), como chegou a ser pensada pelo ex-ministro Sérgio Motta?
Seria um passo gigantesco para a sociedade brasileira. A comunicação é uma das principais indústrias do mundo e envolve também problemas culturais e de direito. Demandaria uma reforma muito maior do sistema. Podemos caminhar para isso, mas não começaria por aí. Acredito mais em uma política de passos pequenos e não algo tão radical.
O sr. falou também em reorganização da Anatel. Houve uma tentativa de se implantar uma nova estrutura na agência, que foi barrada pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa. Que linha essa reestruturação deve seguir?
Houve um esforço que deve ser retomado. O ministério e a agência são coisas distintas, inclusive do ponto de vista legal. Isso cria um relacionamento especial. Eu sou 100% a favor do diálogo. A Anatel não é dona das telecomunicações no Brasil. A rigor, ninguém é, pois trata-se de um sistema do qual participam vários atores. A organização da Anatel é um assunto interno, mas isso não quer dizer que ela não deva ouvir o ministério.
A agência precisa também ter autonomia?
A agência deve ser independente, mas não como uma forma de arrogância. A Anatel deve ter sua independência administrativa e financeira e sua autonomia política. Mas ser independente não implica isolamento. Também não quero que se estabeleça uma impressão falsa de que há uma disputa entre o ministério e a Anatel. Pode até ter havido no passado. O presidente da República disse-me que espera que a Anatel funcione dentro das suas prerrogativas legais.
A relação do ministro Hélio Costa com a Anatel já teve momentos conturbados. Qual é a sua expectativa em relação ao ministro?
Não pretendo herdar coisas ruins, se elas existem. Eu pretendo herdar coisas boas e construir coisas boas. Espero construir uma relação prática e pessoal amistosa com o ministro.
Qual é a sua opinião sobre idéia de a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, assumir a coordenação das agências reguladoras?
Não tenho experiência para falar no assunto, mas simpatizo com a idéia porque abre um foro necessário de solução de questões.
Há muita queixa, principalmente dos Procons, de que a Anatel não faz a defesa do consumidor. O sr. concorda?
Acho que é preciso ver isso no contexto dos recursos que a Anatel dispõe. Por isso, a questão orçamentária é fundamental. Se quiser melhorar o atendimento ao consumidor, fiscalizar e ser mais rápida nas deliberações, isso significa despesa. Tem de ter um corpo de funcionários que esteja pronto a fazer isso.