Título: Minipacote criminal
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Há que se dizer, antes de mais nada, que até parece inacreditável os legisladores caboclos terem demorado tanto, assistido a tantas tragédias no País, em razão do aumento brutal da criminalidade - que tem como pelo menos uma das causas principais a impunidade -, para tomarem a iniciativa concreta de alterar leis na órbita penal e processual penal, levando um pouco mais de rigor às normas destinadas a dar segurança à vida dos cidadãos. Com isso já queremos deixar explícito que não houve qualquer mudança substancial, no campo da segurança pública, propiciada pelo minipacote criminal baixado pelo Congresso Nacional, por meio dos dois projetos aprovados no Senado e os dois aprovados na Câmara dos Deputados. De qualquer forma, dentro do velho ânimo do ¿antes tarde do que nunca¿ (acrescido do antes pouco do que nada), temos que reconhecer algum avanço no rigor penal brasileiro - exatamente um mês após a atrocidade cometida contra o menino João Hélio, que tanto comoveu o País -, mesmo que, no fundo, ainda sintamos o incômodo moral que nos causa a sensação do ¿muito pouco¿, em termos de punibilidade.

Punibilidade, diga-se de passagem, no sentido de defesa da sociedade, de segregação do criminoso para que não volte a matar, e não no sentido de vingança pela dor sofrida.

Os dois projetos votados no Senado e que já podem ir à sanção presidencial dizem respeito a mudanças óbvias, porque insistentemente reclamadas há muito tempo. O primeiro dificulta a saída de autores de crimes hediondos da prisão, estabelecendo que estes só terão direito ao regime semi-aberto - no qual o preso só dorme no presídio - depois de cumpridos 2/5 (ou 40%) da pena ou 3/5 (60%) no caso de reincidentes. É algum avanço, considerando-se que hoje basta o cumprimento de 1/6 (ou 16%) da pena para conferir tal direito - e choca saber que alguém condenado a 30 anos pode ser beneficiado com o decurso de apenas 5. Como o Supremo Tribunal Federal (STF) - infelizmente para o País, não nos furtemos de dizer - autorizou o benefício da progressão da pena para autores de crimes hediondos, essa alteração legal era urgente, pois tais criminosos passaram a desfrutar da mesma complacência ¿progressiva¿ dos demais, o que tiraria o sentido do próprio termo ¿hediondo¿.

Mas o que se avançou foi ainda escandalosamente pouco.

O segundo projeto é o que se refere à punição dos presos que forem flagrados nos presídios com celulares - podem passar a celas individuais, ter restrições de visitas a indultos de Natal e benefícios semelhantes. Sem dúvida o uso do celular foi fundamental para a organização dos trágicos atentados de maio, causados em São Paulo pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) - e parece incrível que não houvesse lei capaz de dificultar seu uso pelos bandidos encarcerados. Está claro que a nova regra em nada dispensa a iniciativa de bloqueio dos celulares, a exigir-se das companhias de telecomunicação, por mais que tenham que empregar tecnologias sofisticadas neste escopo.

A Câmara aprovou dois projetos que seguem para o Senado. O primeiro é o que impede o custoso e arriscado deslocamento de presos para prestar depoimentos nos fóruns, graças ao uso da tecnologia da videoconferência, já empregada (há muito tempo) nos países civilizados. Se já fosse lei muito se teria economizado - e mais ainda se teria deixado de arriscar - com as viagens de Fernandinho Beira-Mar do presídio de segurança máxima de Catanduvas, no Paraná, ao Rio de Janeiro e ao Espírito Santo, mobilizando grande aparato policial nesse deslocamento. E o outro se refere a mudanças no Tribunal do Júri que, ao diminuir a quantidade de recursos e criar freios à procrastinação dos feitos, podem reduzir pela metade o prazo para o julgamento de assassinos. Essa é medida de grande oportunidade e repercussão, considerando-se que o excesso de demora na conclusão dos processos desmoraliza a Justiça e isso é substancialmente multiplicado, em se tratando do julgamento de pessoas que puseram fim a uma vida humana - no que o retardamento da punição se transforma em revoltante injustiça, aos olhos dos cidadãos prestantes.

Podemos dizer, em suma, que o Congresso Nacional está despertando para a segurança pública. Pena que para isso precisasse ter assistido ao derramamento aterrorizante de tanto sangue inocente.