Título: 'Queremos tornar uma boa relação ainda melhor'
Autor: Barella, José Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2007, Nacional, p. A8

Além da assinatura de um acordo sobre biocombustíveis e discussões sobre a Rodada Doha, a rápida visita do presidente americano George W. Bush ao Brasil serviu para reforçar a aproximação entre ele e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A opinião é do embaixador americano no Brasil, Clifford M. Sobel. 'O fato de os dois presidentes voltarem a se reunir daqui a três semanas é significativo, não é comum líderes se encontrarem de novo tão rapidamente', disse Sobel. Exausto após acompanhar a maratona de compromissos de Bush em São Paulo, Sobel conversou na noite de sexta-feira com o Estado, por telefone, duas horas após o embarque do presidente americano para o Uruguai.

Qual é a sua avaliação sobre a visita do presidente Bush ao Brasil?

Acho que demonstrou, principalmente, a forte relação pessoal entre os nossos presidentes. Ela está no centro desse acordo bilateral sobre biocombustíveis e de tudo o que foi discutido. O que é único sobre esta viagem é que os dois presidentes estarão mais uma vez reunidos em uma atmosfera casual nos Estados Unidos daqui a três semanas. O presidente Lula será o primeiro líder latino-americano a ser recebido pelo presidente Bush em Camp David. Portanto, eles começaram as discussões aqui e vão prosseguir lá. Isso é realmente impressionante, confirma a forte relação que os EUA têm com o Brasil.

Como a visita Lula aos EUA melhorará a relação bilateral?

Acho que em Camp David será um formato diferente de encontro. Eles terão muito mais tempo para discutir os assuntos. O presidente Bush terá terminado sua visita aos outros países latino-americanos e poderá refletir sobre como podemos ampliar as conversas que tivemos aqui. Não é sempre que líderes de dois países têm a oportunidade de se encontrar de novo tão rapidamente.

O presidente Bush avisou que não haverá reduções de tarifas para o acesso dos mercados latino-americanos de biocombustíveis nos próximos dois anos. Não é um obstáculo grande demais para dois países que têm uma cooperação tão forte?

É preciso ressaltar que não é o presidente que legisla sobre isso, é o Congresso americano. E o presidente Bush deixou muito claro que este encontro não era para negociar tarifas. Acho que os dois presidentes fecharam o foco nas coisas positivas que podem fazer e tocar adiante, como transformar essa energia dos biocombustíveis em commodity.

Os dois anunciaram que pretendem obter resultados concretos da Rodada Doha. Como isso se daria?

Os presidentes Lula e Bush discutiram a importância e os benefícios da globalização através do comércio e da conclusão da Rodada Doha e, por essa razão, nossa representante comercial, Susan Schwab, permaneceu aqui para se reunir com o chanceler Celso Amorim. Acredito que o Brasil e os EUA podem liderar esses esforços.

Os EUA estão preparados para fazer concessões, por exemplo, reduzindo os subsídios agrícolas?

O presidente Bush já falou sobre a possibilidade de reduções e acredito que seremos flexíveis. Estamos aguardando que nossos parceiros de negociações clarifiquem suas posições, ou seja, que esse quebra-cabeça entre Europa, G-20 e EUA se encaixe. Apesar de ter havido muito progresso, a esperança é de que possamos chegar a uma conclusão.

Como o sr. vê a posição do Brasil nessas negociações?

Os EUA falam com uma voz, portanto, é fácil para deixarmos nossas posições claras. Já a União Européia (UE)e o G-20 têm muitos membros. Ou seja, não são apenas três lados negociando, são três lados formados por várias vozes, o que torna o processo muito mais complicado. É mais difícil para a UE e o G-20 apresentarem uma proposta coesa e agressiva e que ao mesmo tempo seja aceitável para todos os países.

O presidente venezuelano Hugo Chávez se tornou uma das principais figuras da viagem de Bush, mesmo não estando presente. Bush visitou a América Latina para conter o crescimento de Chávez?

A agenda do presidente Bush em relação à América Latina existe há tempos - e a prova é que ele já esteve aqui várias vezes. Bush veio para promover a idéia de justiça social, e não apenas para falar de comércio e investimentos. Veio visitar amigos com quem temos relações muito boas. Ele quer fortalecer ainda mais essas relações.

Quais foram as prioridades dessa visita?

Ela teve vários aspectos: Doha, biocombustíveis, como os dois líderes devem trabalhar de maneira cooperativa em países do Terceiro Mundo. Os presidentes Bush e Lula discutiram não apenas como podemos dar ajuda, mas criar empregos. Eles falaram especificamente sobre o Haiti, um país muito importante para o Brasil por causa do seu envolvimento como líder da força de paz da ONU . O Haiti tem problemas com segurança e eles concordaram que a melhor maneira de acabar com a dependência de outros países é criando empregos. E os biocombustíveis podem abrir essa oportunidade no Haiti. Discutiram, enfim, a possibilidade de trabalhar juntos, de maneira positiva . O presidente Bush fará a mesma coisa nos outros países que visitará.

Qual o motivo dessa mudança abrupta da política dos EUA em relação à América Latina?

Não houve mudança. No governo Bush, os EUA dobraram sua ajuda econômica para a região, passando de US$ 800 milhões para mais de US$ 1,5 bilhão.

Mas essa ajuda é a mesma que os EUA deram para um único país, o Egito, no ano passado. Não é uma contradição?

A relação entre os EUA e a América Latina não é apenas limitada a governos, engloba também o setor privado, a comunidade de ONGs. Temos uma agenda muito positiva com os governos com quem iremos nos encontrar. Queremos tornar uma boa relação ainda melhor.

Como o sr. vê o crescimento do antiamericanismo na América Latina?

Só posso falar pela minha experiência como embaixador no Brasil. E asseguro que os americanos são recebidos aqui de braços abertos. Culturalmente somos dois países de imigrantes, abertos, calorosos. Temos valores em comum e os mesmos objetivos.

Os EUA apoiarão a campanha do Brasil para conseguir assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?

Falamos um pouco sobre a reforma na ONU, mas estivemos mais interessados na Rodada Doha, biocombustíveis, Haiti e como trabalhar juntos.

Qual foi o impacto nos EUA do comentário feito pelo ex-embaixador Roberto Abdenur de que a agenda do Itamaraty era tomada pelo antiamericanismo?

Não discutimos isso. Esse assunto não fez parte de nenhuma das conversas.

O sr. concorda com a opinião do ex-embaixador Abdenur?

O que posso dizer é que nossa relação com o Brasil é ótima. O meu papel, como embaixador, é encontrar maneiras de tornar essa relação ainda melhor. E quando temos o presidente dos EUA se reunindo com o presidente do Brasil, e ambos assumindo o papel de líderes, não apenas em biocombustíveis, mas também em Doha, se liderarmos, tenho certeza de que outros países nos seguirão.

Os EUA têm acordos comerciais com vários países latino-americanos, mas não com o Brasil. Por quê?

Temos interesse em trabalhar com todos os países para ampliar nossas relações de comércio e investimento. Cada país tem de fazer sua própria decisão sobre como quer agir.

O ENTREVISTADO

Clifford M. Sobel, embaixador dos EUA no Brasil, está no cargo há 7 meses. Trocou a carreira de empresário (fundou a Net2Phone, que fornece programa para ligações telefônicas via internet) pela diplomacia no governo Bush. Antes, foi embaixador na Holanda.