Título: Na cruzada contra EUA, Chávez chega à Bolívia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2007, Nacional, p. A11

Depois de ter chamado de 'cadáver político' o presidente americano George W. Bush, diante de 20 mil pessoas em um estádio de Buenos Aires, o presidente venezuelano Hugo Chávez chegou ontem, no início da tarde, em Trinidad, cidade ao sul da Bolívia, onde as chuvas causaram 41 mortes, deixaram milhares de desabrigados, provocaram um surto inicial de dengue e levaram o caos a toda a região. Chávez foi recebido no aeroporto pelo presidente boliviano Evo Morales, e por seu vice, Alvaro García Linera.

Em sua disputa por popularidade com o presidente americano, Chávez terá como principal mensagem aos bolivianos uma comparação entre a ajuda que ele oferece e a anunciada pelo presidente Bush. Este falou em US$ 1,5 milhão às vítimas das enchentes. Chávez entregará US$ 15 milhões, além de enviar uma frota de helicópteros para retirar os desabrigados das regiões isoladas onde não há mais água ou comida disponíveis.

Chávez ficou um dia e meio na Argentina, onde assinou com seu colega Néstor Kirchner vários acordos bilaterais. 'Acabamos de dar um sólido passo para reforçar o eixo Caracas-Buenos Aires, que é estratégico', disse o venezuelano. 'E, do ponto de vista de um ato antiimperialista, acredito que fomos além da expectativa.'

A julgar pelos jornais argentinos de ontem, ele ganhou a batalha de marketing: todos dão grande destaque ao seu discurso de duas horas. El Clarín publica foto dele ao lado da primeira-dama Cristina Fernandez com o título 'Ratificam a aliança'. No entanto, o La Nación destaca que o ato público 'causou mal-estar' nas relações entre Buenos Aires e Washington.

MÁ VONTADE

Em Trinidad, capital da província de Beni, vivem cerca de 90 mil pessoas - a maioria dedicada à agropecuária. Desde as enchentes causadas pelo El Niño, nas últimas semanas, elas vivem numa área cercada por águas fétidas de rios próximos.

No entanto, o prefeito da cidade e o governador da província, irritados porque a ajuda está sendo anunciada e oferecida sem sua participação, recusam-se a receber o presidente venezuelano. 'Agradecemos pela assistência, mas lastimamos essa intervenção de Chávez na Bolívia', disse o prefeito Moisés Shiriqui. 'Ele está vindo aqui para fazer campanha política'. Trinidad jamais recebeu uma visita de chefe de Estado, mesmo boliviano, em toda sua história.

De sua parte, no entanto, as vítimas das enchentes têm muitas críticas às autoridades locais, acusadas de lentidão na assistência a famílias desesperadas. Uma dessas famílias, vivendo num barraco com o selo americano da Usaid, diz ter dormido ao relento por duas semanas antes que qualquer autoridade se dispusesse a ouvir seus pedidos. 'Ir todo dia pedir ajuda, sem recebê-la, nos faz sentir humilhação', disse uma das vítimas, que receberá tratores financiados pelos governos da Venezuela e do Irã.