Título: Poluição da água gera doenças em animais
Autor: Rodrigues, Karine
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2007, Vida&, p. A28
A presença do boto-cinza pode indicar as boas condições de um ecossistema, já que ele está no topo da cadeia alimentar. Porém, é importante saber que a espécie é também insistente: enquanto houver alimentos, permanece no mesmo ambiente, apesar da poluição.
Prova disso é a existência de cerca de 70 golfinhos na Baía de Guanabara, onde o nível de degradação é alarmante. 'Hoje eles não sofrem grandes riscos em Sepetiba, mas, se houver abuso das atividades humanas, isso vai causar um impacto não só neles, mas em todo o ecossistema da região', alerta Leonardo Flach, recordando que, no passado, também havia Sotalia guianenses em abundância na Baía de Guanabara.
Se não causa uma expulsão imediata da população, a poluição não tarda a gerar problemas reprodutivos e doenças variadas nos animais.
Na Baía de Sepetiba, atualmente, ela ainda não é o maior problema, e sim a ação dos atuneiros e dos barcos de pesca artesanais, diz o biólogo. Não só pelas capturas acidentais, quando os animais se machucam ou acabam morrendo nas redes, como pelo eventual desequilíbrio do ecossistema, causado pela pesca desordenada.
A pesca industrial está proibida dentro da baía, mas, assegura o biólogo, vem ocorrendo de forma sistemática por falta de fiscalização.
PEGO POR ENGANO
Não por coincidência, o biólogo tem encontrado animais machucados com uma freqüência cada vez maior.
Em quase cinco horas de viagem pelas águas da Baía de Sepetiba, a equipe de reportagem do Estado deparou-se com quatro barcos de pesca, de tamanhos variados. 'O pescador diz que o boto-cinza chora como criança quando fica preso na rede', conta o biólogo.
Como o golfinho não tem uma carne apreciada, é solto ou, quando morre preso à rede de pesca, jogado de volta à baía. Segundo ele, a quantidade de indivíduos mortos também tem aumentado. Em 2005, foram encontrados 13. No ano passado, 16.
Para o biólogo Salvatore Siciliano, do Departamento de Endemias da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a situação dos Sotalia guianenses não é lá muito confortável, pois habitam a zona costeira, que é a mais degradada pela ação do homem. 'Temos observado que a saúde deles não vai muito bem. Isso se manifesta por problemas variados na pele, contaminações bacteriana e viral, e alterações ósseas', afirmou.
OUTRA ÉPOCA
Siciliano conta que até o fim da década de 1960 as pessoas relatavam a existência de grandes quantidades de botos na Baía de Guanabara.
'Quando a gente percebe, às vezes já é tarde demais', diz o biólogo. Ele considera que, embora regiões como a da Baía de Sepetiba tornem-se, inevitavelmente, alvo de forte pressão antrópica, há mecanismos para tentar evitar que os erros cometidos com a Baía de Guanabara voltem a ocorrer.
'O baiji, golfinho que habitava o Rio Yang Tsé, na China, foi considerado extinto. Isso é triste. Precisamos fazer com que isso não se repita aqui', alerta.