Título: FHC propõe adoção de voto distrital a partir de 2008
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2007, Nacional, p. A7

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem que o Brasil passa por uma crise de legitimidade que pode afetar a governabilidade. Segundo ele, em algum momento, o sistema político pode apresentar um stress e se despedaçar: ¿Basta um momento não tão favorável da economia, aparece um outsider e ganha (a eleição).¿ Em palestra na Associação Comercial de São Paulo, FHC propôs uma campanha nacional para gerar uma onda de pressão de fora para dentro do Congresso que leve à aprovação do voto distrital puro.

¿Sem nos apercebermos, incorremos no risco de desmoronamento das instituições republicanas. Quem conhece a América Latina sabe que isso pode ocorrer¿, sublinhou FHC, ressalvando que não quer fazer papel de Cassandra. O ex-presidente pediu foco no debate da reforma política e sugeriu que o voto distrital puro seja testado já nas eleições municipais de 2008, nas cidades com mais de 200 mil eleitores, onde há segundo turno. Mas para isso o Congresso precisaria aprovar a mudança até outubro.

CAMUFLAGEM

Ele condenou o sistema proporcional atualmente em vigor, que individualiza a atuação política dos deputados. ¿Fragmenta os partidos e tem um forte elemento de dispersão interna: nas eleições, os candidatos competem contra os seus próprios companheiros de partido. Quando a bancada é eleita, carrega muitas feridas¿, observou.

Ele propôs a criação de brechas para furar o controle das oligarquias partidárias sobre o sistema de listas, se vier a ser aprovado. ¿Vamos ter de partir para algum tipo de primárias, em algum momento¿, sublinhou. Disse que o projeto de reforma política que está no Congresso ¿é uma camuflagem, uma contrafação¿: ¿O melhor é não votar isso¿, contrapôs.

Para Fernando Henrique, o sistema proporcional cria ¿uma confusão de nomes¿: mais de 3 mil candidatos lançam-se à feroz disputa pelo voto de 28 milhões de eleitores paulistas; com voto distrital, cada candidato disputaria um universo aproximado de 400 mil votos. ¿No sistema atual, o eleitor pesca um nome com o qual não tem compromisso e logo se esquece dele¿, afirmou. O deputado, por sua vez, busca ligações com bases políticas. Se eleito, vai operar em favor dessas alianças, não do eleitor, a quem não se sente ligado, acrescentou.

O ex-presidente também criticou uma segunda alternativa para mudar o sistema eleitoral, as listas partidárias. Nesse sistema, o eleitor vota no partido. Os deputados serão eleitos pela ordem de seus nomes na lista, proporcionalmente aos votos recebidos pelo partido. ¿Quem vai controlar a ordem dos nomes na lista é quem controlar o partido. Vai se acirrar uma luta surda dentro do partido.¿

Cercando-se de cautelas, FHC só citou o nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva duas vezes. A primeira foi acompanhada por uma observação inclemente: ¿Quando um presidente justifica o erro de um partido, dizendo que todos fazem igual, a gente cai na mediocridade e passa a valer tudo.¿ E advertiu: ¿Não adianta fazer leis sem acreditar nelas. Se não houver igualdade perante a lei, elas, as leis, passam a ser meras concessões do poder.¿

CADEIAS DE TRANSMISSÃO

A segunda foi para mencionar a dificuldade de Lula para estruturar a sua base de apoio e montar o ministério, afirmando que o governo ¿está amarrado pela lógica do sistema¿. ¿Com o sistema atual, tem de lidar quase com cada um¿, opinou. Os líderes, frisou, são cadeias de transmissão de interesses individualizados.

A citação indireta foi uma cutucada: ¿O Bolsa-Família é uma concessão do pai da pátria. O mais grave é que o povo paga com o voto.¿