Título: Chirac já fazia parte do cenário da França
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2007, Internacional, p. A12

Fato consumado. Jacques Chirac não se candidatará a um terceiro mandato presidencial. Ele nos disse 'adeus', e se saiu muito bem. O que disse? 'Eu amo vocês!'. Céus! Na TV, às 20 horas, bruscamente, nos diz 'eu amo vocês' e ficamos todos comovidos. Há 40 anos ele está entre nós, como deputado, primeiro-ministro, prefeito de Paris e finalmente como presidente, por 12 anos (de 1995 a 2007). Chirac já fazia parte da paisagem da França. Era como um campo da Touraine, ou uma colina da Normandia, ou mesmo uma floresta de pinheiros da Provença. Portanto, se além disso, ele diz 'eu amo vocês', forçosamente choramos. Coloque-se no nosso lugar. Além do que, é bom chorar um pouco. Mas, sua declaração vem a propósito porque também amamos Chirac. Claro, nem todo o mundo. Jean-Marie Le Pen, que é fascista, não gosta dele. No caso dos comunistas, que são comunistas, a mesma coisa. E Ségolène Royal também não. Mas, no conjunto, ele nos agrada. É gentil. Usa palavras pomposas. E é bem francês: bebe muita cerveja, come muito queijo, adora 'tête de veau' (cabeça de vitela). Mas há alguns fatos desagradáveis. Quando era prefeito de Paris, Chirac não sabia muito bem a diferença entre seu próprio orçamento e o da capital. 'Mas e os anteriores? Acha que se preocuparam com isso?', nos diziam e assim fomos mais tolerantes com ele do que com os outros, por causa do seu grande nariz e porque ele tem 'charme'. Antes de dizer 'eu amo vocês', Chirac fez um balanço de seus 12 anos de governo. Que teve aspectos 'claros' e 'obscuros'. Mas ele não é tonto. Não ia insistir nos 'obscuros', ou seja, não falou do desemprego, hoje pior do que nunca, nem da gigantesca dívida interna, ou das desigualdades na França, entre os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, dos imigrantes, cada dia mais desesperados, mais perigosos. Não. Ele não iria nos entristecer num dia como esse. É muito amável. Portanto, destacou tudo que foi 'claro' nos seus dois mandatos. E não foi pouca coisa. Conseguiu preservar a unidade do país e fez com que a 'voz da França' fosse ouvida no exterior. Nesse ponto, no seu pequeno discurso de despedida, jogou seu grande trunfo: a guerra do Iraque. Quando Bush lançou suas legiões e quis formar uma coalizão ocidental ('o choque das civilizações', etc, etc...) foi Chirac que criou o campo da recusa, com a Alemanha de Gerhard Schroeder e a Rússia de Putin. Os EUA abriram muitas garrafas de champanhe em banquetes em Nova York , mas Chirac resistiu. Alguns anos depois, face a esse 'abismo' iraquiano, como não apoiar Chirac? Ele também sempre se levantou contra o racismo, a xenofobia, o desprezo pelo outro, as guerras comunitárias. Foi o primeiro presidente a reconhecer que o Estado francês, entre 1940 e 1944, não só se mostrou covarde diante de Hitler como ainda se antecipou aos desejos dos nazistas, por exemplo, entregando judeus franceses para os alemães. Nem o socialista François Mitterrand ousou afirmar isso . Por isso, se nós o queremos bem não é somente por causa da sua voz forte, dos seus apertos de mão, da sua sedução. Mas também por seu ódio do racismo e do desprezo pelo outro. Chirac não foi um grande chefe de Estado. Contudo, sentiremos sua falta.