Título: Capital estrangeiro em empresas aéreas
Autor: Martins, Cristiano Zanin
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2007, Economia, p. B2

A participação de capital estrangeiro em empresas nacionais de transporte aéreo no País voltou a ganhar destaque nos últimos dias. O correto enfoque do assunto pressupõe que seja afastado desde logo um equívoco fundamental que muitas vezes aparece nos debates envolvendo a matéria. É que o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), editado em 1986, embora seja considerado altamente protecionista, não impediu a participação de capital estrangeiro em empresas nacionais de transporte aéreo. Há, sim, uma severa restrição no artigo 182 do CBA, que impede a participação de estrangeiros em porcentagem superior a 20% nas ações com direito a voto. Em relação às ações sem direito a voto não existe restrição no código. Tanto que as empresas aéreas nacionais de maior destaque detêm participação de capital estrangeiro em suas respectivas composições societárias. A questão é saber se o limite de 20% ainda deve ser observado no Brasil. Há um argumento relevante em favor da ausência de qualquer limitação do capital estrangeiro em empresas aéreas nacionais. Trata-se da Emenda Constitucional nº 6, que modificou a redação do artigo 171 da Constituição Federal. A nova redação não mais prevê a possibilidade de a legislação ordinária, como é o caso do CBA, estabelecer tratamento diferenciado para as empresas nacionais em virtude da origem do capital nelas empregado. A partir disso, renomados juristas se manifestaram no sentido de que a limitação prevista no CBA não foi acolhida pela Constituição e, portanto, não mais poderia ser exigida. Esse entendimento, todavia, ainda não encontrou amparo em decisões a respeito do assunto, proferidas pelo extinto DAC ou pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Paralelamente a isso, existe uma constatação das próprias autoridades nacionais de que a limitação imposta pelo CBA não se mostra compatível com o atual cenário da aviação nacional. Além da recente manifestação do presidente da Anac, favorável à ampliação da participação estrangeira nas ações com direito a voto das empresas aéreas nacionais, existem três projetos de lei tramitando no Congresso versando a matéria: um do ex-senador Paulo Octávio (PFL-DF), que amplia a possibilidade de participação do capital estrangeiro para 49% das ações com direito a voto; outro de autoria do senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que prevê a possibilidade de outorga de concessão para exploração de serviços aéreos para sociedades com sede no País; e o terceiro do senador Tião Viana (PT-AC), que 'revoga restrições à oferta de serviços aéreos' a partir da revogação do artigo 182 do CBA. Nas justificativas que acompanham esses projetos, afirma-se que o sistema protecionista estabelecido pelo CBA se mostrou falho não só para a manutenção e o desenvolvimento das áreas nacionais, mas também para os usuários desses serviços, que a cada dia enfrentam maiores percalços como a restrição da oferta e a elevação dos preços das passagens. Merece destaque o seguinte trecho das justificativas apresentadas pelo senador Tião Viana: 'Não há setor da economia nacional tão protegido contra a competição. Em vez de fortalecer as empresas brasileiras, esse modelo, de duvidosa constitucionalidade, tornou-as acomodadas e ineficientes. Apesar de toda essa proteção, algumas das mais tradicionais companhias aéreas nacionais atravessam dificuldades financeiras e outras foram obrigadas a encerrar suas atividades.' Verifica-se, pois, que há elementos suficientes para que esse tema seja repensado: seja para suprimir qualquer restrição na participação do capital estrangeiro, seja para, ao menos, ampliar a possibilidade de participação do capital estrangeiro. Com a eventual alteração na legislação, novos investidores poderão capitalizar as empresas aéreas nacionais em dificuldades, tornando-as financeiramente mais sólidas e competitivas num mercado globalizado. Além disso, novos recursos permitirão ampliar a oferta de transporte aéreo no País, com benefícios aos passageiros e ao turismo, além da geração de novos postos de trabalho. A indústria da aviação civil nacional está aquém do seu potencial e isso poderá ter impacto negativo em relevantes projetos governamentais, como é o caso do Programa de Aceleração do Crescimento. A inversão desse cenário pressupõe a rápida alteração da legislação, a fim de superar restrições indevidas ao capital estrangeiro, tal como já ocorreu em outros setores estratégicos, como é o caso das telecomunicações. Abrir portas para a ampliação dos investimentos no País e também na aviação civil não mais pode ser encarado como uma opção, mas uma necessidade .