Título: Sem garantia para investir
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2007, Notas e Informações, p. A3
Se quiser alcançar o ritmo de crescimento de outros países com os quais compete para conquistar espaços no mercado internacional e atrair capitais privados, o Brasil precisa investir muito mais em infra-estrutura. Se conseguisse investir tanto quanto um país de rápido crescimento e de presença cada vez mais forte na economia mundial, como a Coréia do Sul - que aplica 9% do PIB nessa área -, a economia brasileira cresceria até 4 pontos porcentuais mais do que tem crescido, e até superaria a expansão de 5% ao ano tão otimisticamente projetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A realidade, porém, é muito diferente dos sonhos do governo. Só para manter um estoque mínimo de infra-estrutura que não comprometa o desempenho da economia, o Brasil precisa investir pelo menos o equivalente a 3,2% do PIB até 2010. Mas o que consegue investir hoje é menos de um terço do volume necessário para evitar a deterioração de uma rede de infra-estrutura já precária: apenas 1% de tudo o que produz.
Estes são alguns dos números contidos no mais recente estudo técnico do Banco Mundial (Bird) sobre o Brasil, que trata exatamente da situação da infra-estrutura no País. O relatório (seu título é Como revitalizar os investimentos em infra-estrutura no Brasil: políticas públicas para uma melhor participação privada) avalia o quadro atual, compara-o com o de outros países latino-americanos e concentra seu foco no exame dos obstáculos à entrada do setor privado num setor tão carente e que, por isso, tende a ser atraente para os investidores.
Investir mais em infra-estrutura é essencial para a aceleração do crescimento econômico. ¿Há um grande número de projetos prioritários que poderiam ser financiados com recursos privados¿, reconhece o diretor do Bird para o Brasil, John Briscoe, ressaltando, porém, que os investimentos privados estão condicionados à estabilidade de regras e ao respeito aos termos contratados.
O governo não tem recursos suficientes para recuperar e expandir a infra-estrutura na velocidade e no volume necessários para garantir o crescimento. Deveria, por isso, concentrar seus recursos escassos em áreas nas quais o retorno social seja maior e naquelas destinadas a melhorar as condições de vida da população pobre. Nas demais, deveria abrir espaço para o investimento privado e, sobretudo, assegurar condições para que esse investimento seja feito, reduzindo-lhe os riscos.
Em todo o mundo, por causa do longo prazo de maturação dos projetos de infra-estrutura, os investidores hesitam em participar deles. Para convencê-los, os governos precisam oferecer-lhes garantias confiáveis e duradouras. Mas, no Brasil, é enorme o risco de mudanças das regras dos contratos.
O estudo do Bird consumiu três anos de trabalho, durante os quais foram ouvidos economistas de bancos, do governo e de universidades, e analisados dezenas de contratos nas áreas de telecomunicações, transportes, energia e saneamento básico. Desses, 41% foram renegociados, mais do que a média da América Latina, de 30%. Pior ainda, no caso brasileiro, o governo foi quem tomou a iniciativa em 75% das renegociações, enquanto nos demais países foram as empresas privadas que, em 75% dos casos, pediram a revisão, especialmente para a discussão das tarifas. Outra desvantagem do Brasil na comparação com a América Latina: aqui os contratos são revistos mais cedo.
O histórico dos contratos já assinados, como se vê, é ruim para o Brasil. Nos últimos quatro anos, a situação piorou. As mudanças nas regras para a participação privada no programa de energia elétrica determinadas pelo governo Lula assustaram os investidores. Também as interrupções freqüentes no processo de concessão de rodovias federais para empresas privadas, sempre para a mudança de regras, dificultam e retardam as decisões dos investidores. Por fim, a pressão constante do PT sobre as agências reguladoras, com o objetivo de tomá-las para si e assim reduzir-lhes a autonomia financeira e operacional, assusta os que pretendem aplicar em infra-estrutura.
Capital há, projetos são muitos. Falta, porém, a compreensão, pelo governo Lula, da necessidade de criação de um ambiente adequado para os investimentos em infra-estrutura.