Título: EUA procuram substituto do milho
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2007, Nacional, p. A7

Em meio a um boom de produção de etanol a partir do milho, os Estados Unidos já preparam a segunda geração de biocombustíveis, de matérias-primas como grama, madeira, celulose ou mesmo gordura animal. Uma verdadeira corrida entre várias empresas, em parte financiada pelo governo americano, está ocorrendo para saber quem conseguirá colocar no mercado um produto que será a verdadeira alternativa ao petróleo.

Pesquisa conduzida pela Universidade de Minnesota concluiu que os EUA não têm milho suficiente para produzir um volume de etanol que possa abastecer toda a necessidade do país nos próximos 20 anos. O governo, portanto, vem financiando pesquisas para a utilização de matérias-primas alternativas em vários locais do país. A idéia é que esses produtos seriam mais fáceis de ser obtidos e ainda gerariam níveis de energia superiores ao do milho.

'O Brasil não pode ser o modelo de produção para nós', afirmou Larry Wooten, presidente da Farm Bureau da Carolina do Norte, que representa o setor agrícola do Estado.

Estudos encomendados pelo governo americano apontam que, se o progresso científico for satisfatório em comercializar o novo combustível, US$ 24 bilhões serão adicionados à economia americana em investimentos e 40 mil novos postos de trabalho serão criados até 2015.

Uma das empresas que fazem parte da corrida é a dinamarquesa Novozymes, que há dois anos dedica parte das pesquisas em sua unidade na pequena cidade rural de Franklinton (EUA), para encontrar o cobiçado combustível.

O cenário mais parece filme de ficção científica. Entre longos corredores, equipamentos sofisticados e cientistas com máscaras, luvas e proteções, a empresa busca novas enzimas que possibilitarão a conversão de materiais em etanol. Fotos dos laboratórios são proibidas e qualquer informação é cuidadosamente filtrada. 'Não queremos que nossos concorrentes saibam em que estágio estamos', afirmou um cientista que levou o Estado ao local.

'O novo produto pode passar pelos primeiros testes em cerca de um ano. Só não estou autorizado a dizer quando é que esses produtos serão comercializados', explicou. O cuidado com as informações tem seus motivos: o mercado de enzimas que poderão possibilitar a transformação química de produtos agrícolas em etanol é calculado em US$ 12 bilhões.

Empresas como a alemã Basf, a holandesa DSM e a também dinamarquesa Danisco fazem parte da corrida para determinar quem patenteará a primeira descoberta. Nos Estados Unidos, empresas como a Tyson Foods e Perdue Farms estão em busca de energia de restos de frango que não são usados como alimentos.

Do lado do governo, financiamentos do Departamento de Energia no valor de US$ 250 milhões a essas pesquisas já foram fechados. Na semana passada, o presidente George W. Bush ainda fez uma visita à unidade da Novozymes para demonstrar o apoio político à iniciativa. 'Bush está provando que não é um representante das empresas de petróleo, mas de energia, seja qual for o formato', afirmou Michael Ott, da Biowa, empresa de biomassa em Iowa.

PREÇOS

Mas as pesquisas sobre as novas formas de combustível não respondem apenas a um déficit de milho. Para especialistas, o uso do produto para o etanol já começa a ser sentido no aumento de preço dos alimentos. O milho é usado nos Estados Unidos como um dos principais alimentos para frango, suínos e outros animais. Com o aumento do preço do milho, crescem os custos de produção de carne.

Bill Oassey, presidente da exportadora de carne Midamar, é um dos que estão preocupados com as conseqüências do etanol. 'Temos de avaliar se esse é mesmo o futuro do combustível', alertou.

Segundo estimativas da American Farm Bureau, os lucros dos produtores de carne nos Estados Unidos devem cair em 2007. Outro alerta é para o fato de que uma proporção cada vez maior de terras é usada para produzir milho. O retorno aos produtores é bem superior ao de outros cultivos. Como conseqüência, a geografia agrária americana está mudando.

No Estado de Iowa, por exemplo, a soja tradicionalmente ocupou 50% da produção agrícola por décadas. Hoje, não passa de 30%, diante de 70% de milho. Segundo o Conselho Nacional de Algodão, muitos produtores no sul dos EUA também passaram a produzir milho.

'Os lucros com o milho são superiores ao que um fazendeiro pode obter com soja, algodão ou outro cultivo. Além disso, não há garantias de que os subsídios dados hoje à agricultura serão equivalentes à ajuda que os produtores receberão se estiverem envolvidos com biocombustíveis', explicou um consultor de commodities na Bolsa de Valores de Nova Iorque.