Título: Assembléia chinesa decidirá reformas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2007, Internacional, p. A12

A sessão anual da Assembléia Nacional do Povo (o Parlamento chinês) tem início amanhã com uma atenção redobrada da comunidade internacional. Parte da instabilidade dos mercados mundiais registrada na semana passada foi atribuída às especulações sobre o que os 3 mil delegados iriam debater e aprovar durante os 12 dias de sessão. O maior temor é que a Assembléia Nacional adote medidas para desacelerar a economia chinesa - que cresceu 10,7% em 2006.

O primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, deverá definir o objetivo de crescimento para 2007 em 8%, segundo fontes do governo encarregadas de preparar o texto.

'Os principais temas econômicos que serão discutidos na Assembléia são a reforma das finanças no campo (para melhorar o acesso ao crédito), a reforma do sistema bancário comercial e o desenvolvimento do mercado de capitais', disse Zuo Xiaolei, economista-chefe da Galaxy Securities de Pequim.

Wen abrirá os debates com um discurso reiterando o objetivo do regime comunista de que todos devem se beneficiar do crescimento, algo que não vem ocorrendo para grande parte da população da China.

Um enorme dinamismo econômico elevou a China ao posto de quarta potência mundial, mas provocou inquietantes diferenças de riqueza, em particular entre as cidades e o campo. 'O governo deve melhorar a proteção social e garantir os recursos necessários para os pobres', disse Wen no mês passado.

QUEDA NO DÉFICIT

Espera-se projeção de nova queda no déficit orçamentário. Com a dívida pública menor do que 25% do PIB e um déficit orçamentário de cerca de 1,5% do PIB, muitos economistas dizem que a China pode se permitir gastar mais em serviços públicos como educação e assistência à saúde.

Os delegados também deverão aprovar várias leis, especialmente duas há muito tempo aguardadas: a de direito à propriedade e a destinada a acabar com os privilégios fiscais reservados a empresas estrangeiras. Os investidores estrangeiros pagam em média 15% de impostos, às vezes 11%, enquanto os chineses pagam, em média, 33%. Graças aos incentivos fiscais, os investimentos estrangeiros na China passaram de US$ 4 bilhões em 1993 para cerca de US$ 70 bilhões em 2006, incluindo o setor financeiro.

O projeto de lei que será proposto à Assembléia, e que poderá entrar em vigor em 2008, prevê um imposto único de 25%, com uma taxa preferencial de 15% para a alta tecnologia, da qual poderia beneficiar-se a maioria das empresas estrangeiras, disseram fontes ministeriais.

A lei que protegerá a propriedade privada pela primeira vez desde a Revolução Comunista, em 1949, é vista pelos líderes chineses como outro pilar do livre mercado e também deverá ser aprovada. A lei de direito de propriedade dará proteção igual às propriedades privadas e às do Estado e tem como objetivo conter o arbitrário confisco de terras por funcionários corruptos. Muitos dos violentos protestos que têm ocorrido nas áreas rurais foram lançados contra a expropriação de terras para a construção de luxuosos condomínios ou indústrias.

Seus defensores dizem que a lei coibirá as expropriações de terras, que estimulam as divergências sociais. Os críticos argumentam que ela poderá exacerbar a desigualdade de renda ao acelerar as privatizações.

O Parlamento também poderá considerar uma mudança na forma como gerencia sua reserva monetária externa - a maior do mundo, com US$ 1,066 trilhão. Atualmente, o montante é investido em títulos públicos de baixo risco e baixo retorno. Os legisladores propõem uma nova agência para colocar o dinheiro em bens altamente rentáveis, como ações, propriedades e recursos naturais. Tal diversificação poderia mexer com os mercados globais.

A corrupção será outro importante tema de debate, a poucos meses do 17º Congresso do Partido Comunista, onde se decidirá um novo mandato de cinco anos para o presidente Hu Jintao - responsável pela campanha anticorrupção que levou a uma ampla renovação da cúpula política nos últimos anos.

Principal juiz e promotor da China, Hu detalhará os planos de repressão à corrupção no dia 13. No ano passado, Chen Liangyu perdeu seu cargo de chefe do Partido Comunista em Xangai, ao ser acusado de desvio do equivalente a US$ 1,29 bilhão dos fundos de pensão social.

Apesar de a Assembléia Nacional do Povo - o maior Parlamento do mundo - se apresentar com freqüência como uma simples câmara de ratificação de decisões aprovadas pelo Partido Comunista e o governo, sua sessão anual é o principal local de debates.

REEDUCAÇÃO

A reforma do sistema de 'reeducação por meio do trabalho' é um dos mais de 20 temas que serão debatidos durante a sessão, informou o China Daily. O sistema, adotado em 1957 como um meio de enfrentar os dissidentes, ainda é usado constantemente para punir suspeitos de pequenos crimes, como prostituição, uso de drogas e roubos. Pelo menos 400 mil pessoas cumprem penas de até 4 anos em campos de 'reeducação por meio do trabalho'.

Segundo o China Daily, a Assembléia considerará uma nova e mais branda versão da lei. Sob a proposta, os campos serão rebatizados de 'centros correcionais', todas as grades serão removidas e o período de detenção será reduzido para menos de 18 meses.

Em meio à atenção mundial por causa do aumento do poder militar chinês e do teste de um míssil anti-satélite em janeiro, especula-se que será aprovado um aumento de dois dígitos no orçamento de defesa novamente este ano. Em 2006, a Assembléia já havia autorizado um acréscimo de 14,7% nas verbas do setor em relação ao ano anterior, que passou para US$ 36,6 bilhões.

Analistas estrangeiros dizem que o orçamento oficial não reflete totalmente o real gasto em defesa, que seria de 1,5 a 3 vezes esse valor.

Espera-se que, durante seu discurso, o primeiro-ministro também trate das relações com Taiwan, considerada a principal desculpa para o aumento do poder militar da China, que ameaça usar a força para impedir a independência da ilha, para onde fugiram os nacionalistas de Chiang Kai-shek em 1949.

A Assembléia é realizada no Grande Salão do Povo, que fica na Praça Tiananmen, em pleno centro de Pequim. Os 3 mil delegados cumprem um mandato de cinco anos e representam as 31 províncias, municípios e regiões autônomas da China, assim como Hong Kong, Macau e o comando militar.