Título: Instabilidade política e econômica amaldiçoa nações ricas em petróleo
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2007, Internacional, p. A14

Não é por simples coincidência que a maioria dos países que hoje domina a pauta dos noticiários também consta na lista dos grandes exportadores de petróleo. ¿Não há petróleo em lugar calmo no mundo¿, observou recentemente o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli. Por causa da alta na cotação desse produto nos últimos anos, a Venezuela é o país que mais cresce na América Latina, mas também aquele cujos rumos políticos mais preocupam; o Irã tem os cofres cheios para investir no seu polêmico programa nuclear; e o ditador do Sudão, Omar al-Bashir, está armando milícias para combater rebeldes na região de Darfur.

¿A produção de petróleo favorece a concentração de riqueza e poder e, num momento em que a cotação está elevada, esses regimes de viés autoritário aproveitam para se consolidar¿, explica Michael Ross, da Universidade da Califórnia, nos EUA, que estuda a trajetória política de países cuja economia é dependente do petróleo. Especialistas como ele se referem à instabilidade econômica e política criada pelo petróleo como ¿o paradoxo da riqueza¿ ou, simplesmente, ¿ a maldição do petróleo¿.

¿Dos dez maiores exportadores de petróleo do mundo, apenas a Noruega, o Canadá e o México têm regimes democráticos estáveis e sem traços de autoritarismo¿, afirma Ross. ¿Além disso, se hoje a economia desses exportadores vai de vento em popa, na grande maioria há poucos sinais de que estejam sendo construídas as bases para um desenvolvimento sustentável no longo prazo.¿

Para o cientista político Paul Collier, que estuda esse fenômeno na Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, há ao menos quatro mecanismos que contribuem para que o petróleo sele a ruína de alguns países. O primeiro está relacionado a questões políticas. ¿Ao fornecer ao Estado uma fonte de renda farta e fácil, o petróleo torna os impostos dispensáveis¿, explica Collier. Por um lado, o contribuinte paga menos. Por outro, o Estado ganha uma carta de alforria de empresários e estratos médios da sociedade.

Antes da descoberta de petróleo no Kuwait, na década de 30, o clã Al Sabagh tinha de consultar um grupo de comerciantes para tomar decisões. Depois, a vontade do xeque virou lei. Algo semelhante aconteceu na Arábia Saudita. ¿Como desde o início da exploração de petróleo não havia a necessidade de prestação de contas, hoje um terço dos ganhos obtidos com esse produto cobre os gastos da família real saudita, um terço retorna à petrolífera estatal e apenas o terço restante é usado para financiar obras e serviços que beneficiam o resto do país¿, afirma o economista americano Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard.

A segunda causa da `maldição do petróleo¿ está relacionada à corrupção. Segundo o FMI, todos os anos, 20% dos US$ 5 bilhões pagos pelo setor petrolífero ao governo de Angola desaparecem em contas bancárias particulares. Enquanto isso, dois terços da população vivem com menos de US$ 1 ao dia e, por falta de investimentos em saúde e saneamento básico, uma criança morre a cada minuto no país.

¿Em 2002, diversas ONGs lançaram uma campanha para pressionar as empresas petrolíferas a publicarem os pagamentos que faziam para governos problemáticos¿, conta o economista Michael Renner, pesquisador do Worldwatch Institute, com sede em Washington. ¿Esse é um primeiro passo importante, embora o ideal seria que os governos divulgassem exatamente como estão gastando o dinheiro.¿

O terceiro problema relacionado ao petróleo diz respeito aos conflitos internos. Governos e grupos rebeldes gastam fortunas se armando para garantir sua fatia dessa riqueza. Calcula-se que, para cada 5% a mais de participação do petróleo nas exportações de um país, haja um aumento de 1,6% em seus gastos militares.

Como demonstra a experiência em Estados com instituições frágeis e disputas territoriais acirradas, como Angola e Sudão, tal militarização pode ter efeitos explosivos. Segundo Collier, 23% dos países cuja economia se baseia em riquezas naturais como o petróleo experimentaram conflitos civis nos últimos cinco anos. Entre os que não dependem de riquezas naturais, essa incidência é de apenas 0,5%.

A quarta e última causa da ¿maldição¿ está relacionada a questões econômicas. Trata-se de um fenômeno que recebeu o nome de ¿doença holandesa¿ porque foi observado pela primeira vez na Holanda da década de 60, após a descoberta de imensas jazidas de gás natural no país. Basicamente, a venda do petróleo inunda o mercado interno com divisas e valoriza a moeda local. Isso estimula as importações e torna os produtos nacionais mais caros e menos competitivos. É a combinação da falta de investimentos com a queda das vendas externas e a feroz competição com os importados que leva à ruína produtores de diversos setores.

¿Numa economia baseada em manufaturas, a riqueza se distribui naturalmente porque todos os dias os funcionários de uma empresa lucrativa voltam para casa um tantinho mais ricos¿, diz Renner. ¿O problema é que a indústria petrolífera gera poucos empregos para a população local e você não irá ouvir falar em um pequeno empreendedor que abriu uma microempresa de prospecção de petróleo.¿

Some-se a tudo isso as incertezas sobre o futuro da cotação desse produto no mercado internacional - e o resultado está longe de ser o cenário ideal para uma trajetória de desenvolvimento consistente e sustentável. A boa notícia é que alguns países têm encontrado soluções eficientes para contornar a ¿maldição¿.

Todos os anos, o governo norueguês deposita parte dos lucros do petróleo em um fundo que já conta com U$S 200 bilhões e serve de garantia para os dias de vacas magras e cotações baixas. O restante é investido na melhoria dos serviços públicos.

¿Obviamente a realidade da Noruega é diferente da de países em desenvolvimento, mas criar mecanismos para que o dinheiro chegue à população, estimular a prestação de contas e fazer um planejamento econômico no longo prazo é a receita para transformar o petróleo em aliado em qualquer canto do mundo¿, afirma Paul Collier.

Países como o México e o Catar fizeram bem-sucedidas apostas na diversificação da economia. ¿Onde o petróleo é apenas um entre muitos setores, nenhum desses efeitos perversos é observado¿, diz o economista egípcio Robert Mabro, autor de 13 livros sobre o mercado petrolífero.

Há três décadas, o clã que governa Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, investiu os recursos petrolíferos em infra-estrutura, como parte de um projeto para tornar a região um centro de turismo, comércio, tecnologia e indústria. Hoje, o petróleo representa só 7% do PIB e a economia cresce 16% ao ano. ¿A `maldição¿ passou longe e essa se tornou uma das regiões mais promissoras do Oriente Médio¿, completa Mabro.