Título: As artesãs das pílulas de frei Galvão
Autor: Amendola, Gilberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2007, Vida&, p. A20

Uma verdadeira linha de montagem ocupa os fundos da Catedral de Santo Antônio, no centro de Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, a 176 quilômetros de São Paulo. Embora não seja exatamente uma fábrica clássica, é dali que saem as famosas pílulas de frei Galvão (1739-1822), um dos mais ilustres filhos da cidade e prestes a ser canonizado, em 11 de maio.

Numa pequena sala, 15 beatas - com 65 anos de idade, em média - entregam-se ao minucioso trabalho de produzir as pílulas milagrosas. 'Nós fazemos essa pílula pelo frei e pela nossa cidade', diz a presidente da Irmandade do Frei Galvão, Ondina Kalil, de 71 anos.

Elas cortam, picam e colam papeizinhos com precisão milimétrica. Em um mês, produzem, em média, 90 mil pílulas - a força econômica e turística de Guará, como é carinhosamente chamada a cidade vizinha de Aparecida, que receberá o papa Bento XVI em maio.

Alguém duvida do poder do produto das beatas? Escolha qualquer esquina, loja ou casa da cidade. Pergunte a qualquer um se já tomou as pílulas ou se tem alguma graça alcançada para relatar. O resultado será 100% positivo. Como dizem por lá, 'a pílula é o café da manhã, o almoço e o jantar do povo de Guará'.

FAMÍLIA NUMEROSA

Curas e partos facilitados pelo frade são comentados em todos os cantos da cidade. Além disso, ao conversar com um morador de Guará, você pode estar frente a frente com um legítimo descendente da família do frei. Na cidade, fala-se exageradamente em 10 mil parentes do santo. Pelas ruas, o nome do frei Galvão está na fachada de farmácias, lojas de ferragens, auto-escolas, maternidades... Invariavelmente, seus proprietários afirmam ter sido agraciados com alguma graça do santo local.

O comércio religioso ganhou grande impulso com a canonização, marcada para o dia 11 de maio, no Campo de Marte, em São Paulo. São santinhos, camisas e outras lembrancinhas. Antes da 'onda frei Galvão', a cidade recebia cerca de 50 ônibus de turismo nos fins de semana. Agora, são mais de 200.

Por tudo isso, a produção de pílulas e a participação das beatas só tendem a crescer. Nada em Guaratinguetá acontece sem que elas estejam por perto ou apóiem diretamente. A sensação é que a região transformou-se em uma espécie de Asa Branca, cidade fictícia da novela Roque Santeiro, de Dias Gomes e Aguinaldo Silva - grande sucesso na TV em 1985. Assim como Asa Branca, Guaratinguetá também vive em função do seu santo.

ROTEIRO RELIGIOSO

Tanto que a cidade desenvolveu um roteiro religioso, com pontos de peregrinação ligados a frei Galvão. Thereza Maia, de 71 anos, historiadora e descendente do lado materno do religioso, é uma das que mais trabalham pela preservação dos locais: 'Frei Galvão sempre foi o nosso santo. Agora, será o santo do mundo'.

Thereza é a responsável pela conservação da casa onde nasceu Antônio Galvão de França, em 1739. Só aos 16 anos, ao ingressar no Convento Franciscano de São Boaventura de Macacu, em Itaboraí (RJ), que ele adotou o nome de Antônio de Sant'Anna Galvão, em homenagem à santa da devoção de sua família. A casa em que nasceu conserva poucas características da construção original, mas virou museu. Exibe cadeiras, mesas, vestimentas e um pedaço de osso do santo, cujo corpo está enterrado no Mosteiro da Luz, na capital.

Também faz parte do roteiro a visita à Catedral de Santo Antônio, local onde o frei foi batizado (a pia batismal, aliás, continua intacta) e celebrou sua primeira missa, além de visitas a uma pequena igreja que homenageia o santo, numa fazenda vizinha, e ao Seminário de Frei Galvão, que tem uma imagem de 20 metros de altura do santo.