Título: Oscar de Maquiagem
Autor: Cardoso, Eliana
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2007, Espaço Aberto, p. A2

No cinema, seria impossível deixar de comparar O Labirinto do Fauno (que ganhou o Oscar de Maquiagem em 2007) com O Espírito da Colméia, de Victor Erice (1973, disponível em DVD na Criterion Collection). Em ambos, uma menina se liga a um monstro enigmático.

O belíssimo filme de Erice mostra os olhos de Ana Torrent extasiados diante da figura de Boris Karloff em Frankenstein. São dois comoventes pontos de interrogação sobre os mistérios do mundo. Com a pequena heroína, o espectador vive uma realidade indecifrável. No filme de Guillermo del Toro, ao contrário, a sofisticação técnica corta o elo entre os mundos imaginário e real. Os efeitos especiais substituem as metáforas e o resultado é um filme esquemático e caricatural.

Na economia política, também é possível traçar um paralelo entre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Plano de Metas de JK. Os críticos veriam no PAC - com sua ênfase no investimento público e a promessa de crescimento de 5% ao ano (modesta em comparação aos 8% ao ano do período JK) - uma caricatura do Programa de Metas.

Mas, enquanto a imaginação popular coroa o plano de outrora com uma aura romântica, a análise do economista vê ali as raízes da nossa inflação. Pois o governo de então se financiava na boca do caixa do Banco do Brasil. A favor de Lula, portanto, diga-se que ele quer evitar os grandes desequilíbrios fiscais criados pelos ¿50 anos em 5¿ de JK. Pretende ampliar os gastos de investimento, mas rejeita levar o projeto à frente de forma irresponsável.

De qualquer modo, ainda é cedo para o julgamento final. O Congresso apenas começou a discutir as oito medidas provisórias do PAC. E o PFL parece decidido a questionar a constitucionalidade do uso de parte do FGTS num fundo de investimento.

Parte da oposição reclama que o programa está amarrado ao passado, porque faz do Estado o ator principal da economia, despreza alternativas mais eficientes e deixa a carga tributária sem remédio. Entretanto, não há como negar que o pacote define e ordena metas de investimento e resgata a necessidade de recuperar a infra-estrutura.

Embora boa parte das propostas não seja nova, o programa reage ao descontentamento com a situação precária de nossa rede de transportes, saneamento e produção de energia. O Banco Mundial calcula que, mesmo se a taxa de crescimento do PIB fosse apenas 2% ao ano, o Brasil precisaria investir 3,1% do PIB em infra-estrutura só para conservá-la em bom estado. É mais do dobro do que vem ocorrendo, porque o excesso de gastos correntes do governo limita sua capacidade de investimento.

A infra-estrutura inadequada aumenta o custo da produção e dos negócios. Custo alto e incertezas mantêm baixas a formação de capital fixo e a produtividade. No passado, a incerteza derivava da instabilidade da inflação, que, por sua vez, advinha de orçamentos fiscais desequilibrados, combinados a uma política monetária frouxa e ao endividamento externo.

Hoje, a inflação e a dívida externa ficaram para trás, graças a superávits primários, política monetária restritiva e um choque positivo dos termos de intercâmbio. Boa parte da incerteza que agora prejudica os investimentos provém dos riscos que cercam as agências reguladoras e a aplicação das leis.

Segundo o Banco Mundial, os indicadores da falta de credibilidade dos compromissos assumidos no Brasil são graves: 41% das concessões de contratos são renegociadas (a média é 30% na América Latina). E o governo é responsável por 75% dessas renegociações no Brasil (a média é 25% na América Latina). Nesse contexto, é compreensível a falta de interesse do setor privado em investir em infra-estrutura, o que, conjugado à ineficiência do governo, trava as Parcerias Público-Privadas.

O PAC diz que pretende resolver o problema pela combinação de um aumento do investimento público com renúncias fiscais e estímulos ao crédito. Sinaliza aumentos de gastos e reafirma o modelo do Estado grande com base numa carga tributária cada vez mais pesada.

Apesar dos impostos tradicionalmente em alta, há risco de corte do superávit primário. Pois o teto imposto ao aumento das despesas com o funcionalismo público não compensa o aumento de gastos que devem resultar da combinação do aumento do investimento com renúncias fiscais para alguns setores e indexação do salário mínimo ao crescimento real do PIB.

Para atrair investimentos privados o PAC recorre a créditos públicos e concede isenções fiscais, que, embora tímidas, reforçam a visão do Estado interventor que favorece apenas algumas atividades, como a informática e a construção civil, e induz, portanto, a novas distorções alocativas num ambiente tributário já ineficiente e caótico.

Porque não age a favor das reformas, o programa merece um Oscar de Maquiagem, tal como O Labirinto do Fauno. Sem uma reforma previdenciária, não haverá controle dos gastos públicos. E, sem esse controle, não haverá corte de impostos para abrir espaço para o investimento privado. Ao mesmo tempo, sem uma reforma da legislação trabalhista e tributária faltará ao mundo dos negócios o dinamismo necessário ao crescimento sustentado.

O debate sobre o crescimento teve o mérito de estimular a convicção de que é preciso reformar e reduzir as alíquotas dos impostos de forma horizontal. Delfim Netto alerta que essa agenda não foi a que elegeu o presidente Lula. Será que teremos de esperar um novo governo para trazer as reformas de volta à ordem do dia?

Talvez não, a julgar pela reunião dos governadores em 6/3. José Serra declarou que São Paulo aceita a cobrança do ICMS no destino e, assim, abriu as portas para que a reforma tributária avance rumo à redução da maquiagem dos impostos. Simplificação deve ser o nome do jogo. Tomara.