Título: Competir, não reclamar
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2007, Notas e Informações, p. A3
A indústria brasileira parece ter-se convencido de que, para enfrentar com eficiência a cada vez mais agressiva concorrência chinesa, no mercado interno e no externo, não basta mais ficar pedindo ao governo a adoção de medidas de defesa comercial. São medidas legítimas, mas sua aplicação não pode se estender para todas as importações da China e deve limitar-se aos casos previstos nas regras do comércio internacional. Só há, por isso, uma política inteligente para enfrentar com êxito a concorrência chinesa: preparar-se adequadamente para enfrentá-la, por meio da melhora da competitividade.
Esta é a principal conclusão da sondagem feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que ouviu 1.367 pequenas e médias empresas e 214 de grande porte, para saber como a concorrência com produtos chineses afeta suas atividades. O impacto é forte.
Das empresas consultadas, pouco mais de um quarto (26%) enfrenta a concorrência desses produtos no mercado interno. No mercado internacional, a competição é ainda mais acirrada: mais da metade (54%) das empresas que exportam tem de disputar espaços com produtos fabricados na China. Nessa disputa, pelo menos por enquanto, os produtos chineses vêm obtendo resultados melhores. Das empresas brasileiras que enfrentam esses produtos no mercado interno, 52% informaram que perderam participação nesse mercado; das empresas que enfrentam a concorrência no mercado externo, o efeito foi mais forte, pois 58% delas registraram perda de clientes ou de mercado por causa dos produtos chineses.
No mercado interno, as grandes empresas estão mais expostas à concorrência chinesa, pois 45% delas a enfrentam; entre as pequenas e médias o índice cai para 23%. As indústrias têxteis e de vestuário são as que registram perdas mais acentuadas de participação no mercado por causa da concorrência chinesa. Três de cada quatro empresas têxteis perderam espaço para os chineses, e para quase um quarto delas (23%) a redução foi muito grande. No caso das indústrias de vestuário, perdas foram assinaladas por duas de cada três empresas ouvidas pela CNI.
Parte das empresas decidiu enfrentar a concorrência chinesa produzindo na China, diretamente ou por meio de empresas terceirizadas. Das grandes, 7% já fazem isso, outros 3% pretendem instalar fábricas na China e 4% planejam terceirizar parte da produção, contratando-a de empresas chinesas. Das que decidiram produzir na China, metade pertence a quatro setores: veículos, máquinas e materiais elétricos, minerais não metálicos e produtos de metal. No caso de empresas multinacionais, a decisão de fabricar na China pode ter sido tomada por suas matrizes fora do Brasil.
Outro caminho percorrido pelas empresas é o da busca de maior competitividade, por meio da redução de custos e por investimentos em qualidade e design dos produtos. ¿As indústrias estão fazendo sua parte¿, disse o principal economista da CNI, Flávio Castelo Branco, ao comentar os resultados da sondagem. ¿Mas o que precisa ser solucionado são problemas de natureza sistêmica, como a alta carga tributária, a logística ineficiente, o alto custo de capital e o excesso de regras no mercado de trabalho.¿
São mudanças que há muito tempo vêm sendo reclamadas pelo setor produtivo para melhorar o ambiente econômico, por meio da redução de custos e ganho de eficiência. Tais mudanças já não dependem mais de esforços, estudos, pressões ou iniciativas do empresariado. Dependem inteiramente do governo, que já dispõe de todas as informações necessárias para apresentar propostas concretas. Se não o faz é porque ainda não compreendeu sua importância ou não tem competência para fazê-las.
Se o governo brasileiro não dá muitas esperanças de agir de maneira coerente e eficaz para prover a economia de meios para enfrentar a concorrência chinesa, de Pequim vem um sinal de que as coisas podem melhorar. Efetivamente, o governo chinês acaba de reduzir os benefícios financeiros (juros mais baixos) de que gozavam os exportadores que obtiverem receitas superiores a US$ 200 milhões por ano, medida que reduz sua competitividade no exterior. É pouco, mas, para os que têm cada vez mais dificuldades para concorrer com os chineses, como boa parte da indústria brasileira, é um sinal de alento.