Título: 'A Europa precisa ser protagonista'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2007, Internacional, p. A10

O espectro político francês já não é feito de apenas dois candidatos, a deputada e ex-ministra Ségolène Royal e o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, favoritos para as eleições presidenciais de abril e maio. Nem está mais polarizado entre o Partido Socialista (PS) a direitista União por um Movimento Popular (UMP). Há agora um terceiro candidato, que se anuncia de centro: François Bayrou. Ele surge a cerca de seis semanas do pleito, com a força da história. Há 25 anos, outro centrista, representante da mesma União pela Democracia Francesa (UDF), Valéry Giscard d¿Estaing, acabou eleito ao anunciar-se acima das divergências entre os extremos. Bayrou concedeu entrevista ao Estado na quinta-feira na Bélgica, onde era homenageado, horas após a divulgação de uma pesquisa do instituto CSA que o mostrou em empate técnico na liderança - 26% para Sarkozy, 25% para Ségolène, 24% para Bayrou. A seguir, os principais trechos.

O sr. alcançou entre 24% e 25% em pesquisas recentes. É possível acreditar na vitória em abril?

Estou confiante porque os franceses querem mudar e querem um novo acordo político. Nós estamos construindo o novo acordo. Sei que será difícil e tenho a intenção de avançar passo a passo.

O sr. foi acusado de minar a candidatura de Ségolène ao declarar que pode escolher um premiê de esquerda. Por que de esquerda?

Porque sou um homem que veio do centro, de uma aliança com a direita. É preciso mostrar, se queremos unir os franceses, que somos capazes de confiar responsabilidades aos de fora de nosso partido. Estou pronto para este gesto de abertura. Mas não é uma obrigação.

Líderes do PS e da UMP negam-se a participar do ¿governo de união nacional¿ que o sr. vem propondo. Como governar sem maioria?

Eles se recusarão até que as eleições ocorram. Depois, terão de refletir sobre a mensagem que o povo vai transmitir. O francês tem a intenção de dizer aos dois partidos que disputam entre si o poder há 25 anos: ¿Parem com sua disputa e se ocupem de nós.¿

O sr. cogita a fundação de um Partido Democrata na Europa, à imagem do americano. Imagina fundá-lo após as eleições?

Sim, é possível. As eleições francesas são cruciais na Europa. Todos observam nosso pleito, como fazemos nas eleições da Alemanha. Na Europa, há duas forças: conservadores e socialistas. Entre as duas, falta um grande Partido Democrata, não só na França, mas em todos os países europeus. As escolhas políticas dos outros partidos abriram um vácuo no centro do espectro político, que precisa ser suprido. E eu tenho a vontade de construir esta agremiação.

O sr. seria o líder?

Eu seria um dos líderes. Não peço o monopólio.

Quais são as reformas de que o Estado francês não pode prescindir?

A primeira reforma é equilibrar as finanças públicas para não ampliar ainda mais o déficit. A segunda é simplificar a fiscalização sobre as empresas, para que as pequenas empresas desfrutem de condições iguais em relação às grandes. A terceira, liberar a criação de empregos. Para tanto, defendo a criação de um determinado número de empregos sem encargos fiscais. Mas a maior reforma é fazer do sistema educativo francês o melhor do mundo - o que ele já foi e precisa voltar a ser.

O sr. prevê o fim das 35 horas como tempo semanal de trabalho?

A semana de 35 horas precisa ser flexibilizada. É preciso desbloquear o caminho dos trabalhadores, desimpedi-los de trabalhar mais. Mas há muitas pessoas na França, em especial mulheres, que encontraram um equilíbrio de vida nas 35 horas. Logo, suprimir a semana de 35 horas seria ruim para muitas famílias.

O sr. é agricultor e mora no campo. Qual sua posição sobre a abertura dos mercados agrícolas europeus e sobre a Rodada de Doha?

Este tema é muito delicado. Temos como objetivo não apenas manter uma produção agrícola forte, mas conservar os produtores no campo, para que a França continue a ser um país rural. Quando vejo (discussões sobre) o livre comércio, em um sentido mais amplo do termo, englobando a África... tenho muitas dúvidas. Acho que vocês, no Brasil, fizeram a decisão certa ao optar pelo biocombustível. Há mais usos para a terra do que o uso estritamente alimentar. É preciso ir além do que a reorganização de mercados propõe, e isto é possível graças à utilização não-alimentar da agricultura. Ela inaugura uma grande esperança para o mundo inteiro.

O sr. é favorável à reforma do Conselho de Segurança da ONU?

Sou favorável, mas sou cético. Depois de longo tempo, entendo que será algo muito difícil de ser efetivada, porque é muito difícil encontrar um acordo sobre a estrutura da nova organização. Cada um quer fazer valer seus próprios interesses. Na verdade, releve o que eu disse sobre ser cético. Sou favorável, mas penso que é difícil.

E quais seriam os países que deveriam tomar parte do conselho, em caso de reforma?

O Brasil, claro, porque é uma grande potência regional, assim como Índia e Japão. Mas não me iludo. Essa reforma será muito difícil.

Quais serão suas prioridades em política estrangeira?

As prioridades serão (buscar) um mundo multipolar, no qual os grandes atores políticos do planeta estejam em situação de equilíbrio e de respeito recíproco. Não gosto de um mundo dominado por uma única grande potência, e não gosto de um mundo dominado por duas ou três grandes potências. É necessário que cada região do planeta tenha acesso a uma união, como haverá um dia a união sul-americana - e eu desejo muito a criação dessa organização. Vocês, sul-americanos, têm muita sorte, porque têm apenas duas línguas no continente. Nós, na União Européia, temos 20 línguas, o que não facilita nossa vida. Precisamos de atores políticos de nível equivalente, que discutam juntos para que o mundo seja mais seguro do que é hoje.

É esta Europa, uma potência, que o sr. almeja?

Sim, a Europa é o primeiro modelo destas uniões. É preciso que ela se transforme em protagonista. É preciso que ela se expresse para mudar o que está errado, que ela não se contente em ser um antagonista.

O ENTREVISTADO

François Bayrou, de 55 anos, é presidente do partido centrista União pela Democracia Francesa (UDF) desde 1998. Foi deputado do Parlamento Europeu e ministro da Educação durante os governos conservadores de Édouard Balladur e Alain Juppé, de 1993 a 1997.