Título: Turbulência ameaça crescimento da América Latina, alertam BCs
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2007, Economia, p. B1

O Brasil pode ter perdido o melhor momento internacional para crescer na década e terá de aprender agora a conviver com um cenário de volatilidade diante das incertezas sobre o futuro da economia americana e sua desaceleração. Reunidos na Basiléia, representantes dos principais bancos centrais latino-americanos deixaram claro que estão preocupados com a 'profundidade' dos ajustes nos mercados financeiros internacionais e o impacto para o crescimento da América Latina.

'A volatilidade é o nome do jogo hoje', disse Martin Redrado, presidente do BC argentino. 'Os Estados Unidos pegam um resfriado e nós todos na América Latina, uma pneumonia', afirmou Guillermo Ortiz, presidente do banco central do México. Ontem, na sede do Banco de Compensações Internacionais (BIS), presidentes dos BCs das principais economias debateram os motivos do ajuste que está ocorrendo nos mercados.

Para muitos, a China teve papel nesse ajuste, mas não deve ser vista como a razão central da turbulência. O presidente do BC brasileiro, Henrique Meirelles, também participou do evento, mas só se pronunciará hoje.

'Não sabemos até que ponto os ajustes vão ocorrer', afirmou o presidente do banco central do Chile, Victorio Corbo, ao deixar um dos encontros. Ele destaca que os BCs já vinham alertando sobre os potenciais riscos para a economia internacional, que ficaram claros nas últimas duas semanas. No fim de fevereiro, um ajuste na Bolsa de Valores de Xangai estremeceu os mercados e as incertezas foram mantidas diante dos índices americanos abaixo da expectativa dos mercados.

'Já sabíamos que os riscos existiam diante do fato de os spreads estarem excessivamente baixos', afirmou o presidente do BC chileno. 'Agora teremos de ser vigilantes sobre como os mercados terão um impacto no resto da economia. A preocupação central continua sendo a inflação e como lidar com isso', disse Redrado.

Ele não escondeu que a situação não é ideal. 'Estou preocupado com a volatilidade dos mercados de ações e nos efeitos que tem no crescimento.'

Durante a reunião no BIS, ficou claro que os fundamentos das economias ainda são sólidos, como na Europa e no Japão. Mas a preocupação gira em torno da desaceleração americana. Cálculos do BC mexicano estimam que a economia americana crescerá 2% em 2007, mais de um ponto porcentual menos do que em 2006.

'Sabemos que essa é a tendência nos EUA. Por isso, não sabemos até onde irá esse ajuste', disse Corbo. O que os banqueiros querem saber é como uma desaceleração na economia americana afetará o mercado imobiliário, de derivativos e de investimentos.

No que se refere ao impacto para a América Latina, os presidentes de BCs da região alertam para os obstáculos que a volatilidade e a desaceleração americana podem ter no ritmo de crescimento das economias. Depois de quatro anos com uma média de aumento do PIB mundial entre 4% e 5% ao ano, há a possibilidade de que essas taxas não se repitam.

OPORTUNIDADE PERDIDA

O problema, porém, é que esse momento chega em um período em que o Brasil tenta crescer mais. BCs de outros países sugerem que o Brasil trabalhe mais em sua produtividade doméstica para atingir índices mais elevados de crescimento. O mesmo valeria para permitir que a Argentina mantivesse suas taxas elevadas.

Para alguns, o Brasil pode ter perdido o melhor momento da década para crescer. 'Um menor crescimento internacional quer dizer um menor impulso da economia global à América Latina', afirma um representante de governo no BIS. Para os especialistas mais otimistas na Basiléia, o Brasil poderá superar essas dificuldades se seu crescimento for baseado em maior investimento doméstico e internacional. 'Há como o Brasil crescer 4% ou 4,5% enquanto o mundo cresce 3,5%', apontou um participante.

Mas todos concordam em que tudo dependerá de como avançará a economia americana. 'O aprofundamento da atual turbulência e uma eventual crise depende dos números americanos, especialmente em termos de custo de trabalho e produtividade', disse um presidente de BC. 'Somos dependentes do que ocorre nos EUA. Nossa preocupação não vem da Ásia.'

De fato, para os BCs latino-americanos, a China foi apenas um 'gatilho' das incertezas que rondam os mercados. 'No ano passado, a principal razão dos ajustes foi a incerteza em relação à inflação associada às mudanças no Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Desta vez, a preocupação é a possível desaceleração da economia americana', disse Ortiz.

Os latino-americanos, porém, não escondiam a satisfação em relação ao desempenho da região em conseguir superar a turbulência. 'Passamos o último teste com louvores. Um melhor gerenciamento macroeconômico, com reservas, melhor balanço de pagamento e estrutura de dívida, contribuiu para uma melhor resposta em relação à turbulência', disse Redrado. 'Todos temos agora câmbios flexíveis e não precisamos defender paridades (com o dólar)', avaliou Corbo.

'Hoje há um melhor entendimento dos riscos. Os spreads são mais realistas e de acordo com os fundamentos', concluiu Redrado, que defende a diferenciação na correção dos mercados de ações em países ricos e emergentes. 'Nos nossos mercados ainda há liquidez', disse, alertando, porém, que qualquer correção pode ser forte.

FRASES

Guillermo Ortiz Presidente do BC do México ¿Os Estados Unidos pegam um resfriado e nós todos na América Latina, uma pneumonia¿

¿Em 2006, a principal razão dos ajustes foi a incerteza em relação à inflação associada às mudanças no FED, o banco central americano. Agora, a preocupação é a possível desaceleração da economia dos EUA¿

Martin Redrado Presidente do BC da Argentina ¿Estou preocupado com a volatilidade dos mercados de ações e nos efeitos que tem no crescimento¿

¿A volatilidade é o nome do jogo hoje¿