Título: O discurso de Lula
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2007, Nacional, p. A18
¿Excelentíssimo senhor George Bush, presidente dos Estados Unidos da América, Senhores integrantes das comitivas norte-americana e brasileira, Governador de São Paulo, José Serra, Nosso querido presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, Ministros, Jornalistas, Meus amigos e minhas amigas,
Esta segunda visita do presidente Bush ao Brasil em pouco mais de um ano é mais um passo no aprofundamento do diálogo entre nossos governos e nossos países. Um diálogo que começou antes mesmo de eu tomar posse, quando o presidente Bush me recebeu, em dezembro de 2002, na Casa Branca. Nos freqüentes encontros e telefonemas que mantivemos desde então, nossas relações foram sempre pautadas pela extrema franqueza, respeito mútuo e espírito construtivo.
Nossas sociedades são multiétnicas, nelas convivem muitas culturas e idéias, foram fundadas nos princípios do pluralismo, da tolerância e do respeito à diversidade. O fato de nossos governos se respeitarem mutuamente explica o excelente momento que atravessam as relações entre Brasil e Estados Unidos. Revela, também, o grande potencial de cooperação que têm nossos países, se formos capazes de continuar construindo objetivos comuns.
Essa foi a base das conversações que tivemos hoje, quando repassamos nossa ampla agenda bilateral e avaliamos como melhor trabalhar em questões regionais e multilaterais. O relacionamento entre Brasil e Estados Unidos historicamente transcendeu aos governos que estiveram à frente dos nossos países, prova disso é a ampla rede de relações entre empresários, representantes da sociedade civil e cidadãos dos dois países.
Os Estados Unidos são o nosso maior parceiro comercial individual e o maior investidor no Brasil. Durante o meu primeiro mandato, o comércio entre nossos países aumentou mais de 50%. Os investimentos norte-americanos no Brasil dobraram ao longo da última década. Empresas brasileiras estão cada vez mais ativas na economia norte-americana, e contribuem, junto com a expressiva comunidade brasileira já radicada, para a geração de emprego e de renda naquele país.
Senhoras e senhores,
O Brasil se orgulha de ter contribuído para a decisão de governo dos Estados Unidos de aumentar a participação dos biocombustíveis na matriz energética. Recordo o entusiasmo com que o presidente Bush conheceu de perto, no encontro que mantivemos em Brasília em 2005, a história de sucesso brasileira em matéria de biodiesel, de biocombustíveis. Temos no Brasil um programa extremamente exitoso, considerado modelar, fruto de um investimento de mais de 30 anos em pesquisas e em desenvolvimento. Um programa que associa o respeito ao meio ambiente à preservação e ampliação da segurança alimentar de nossa sociedade, um programa que tem forte impacto social, por sua capacidade de gerar empregos, fortalecer a agricultura familiar e fazer a distribuição de renda. Esse é um campo onde nossos dois países podem cooperar.
O memorando de entendimento sobre biocombustíveis que os nossos ministros assinaram hoje é um passo decisivo nessa direção. Juntando suas forças, Estados Unidos e Brasil podem impulsionar a democratização energética e levar os biocombustíveis para todos. Uma das tarefas mais complexas à frente será assegurar o acesso aos grandes centros consumidores. O Brasil espera que o mercado de etanol se beneficie de um comércio desimpedido e livre de protecionismo, somente assim os combustíveis do futuro poderão funcionar como indutores do desenvolvimento sustentável, beneficiando também países pobres e em desenvolvimento. Fazer do comércio um fator de prosperidade para todos é um desafio sobre o qual eu conversei detidamente com o presidente Bush.
Precisamos eliminar os desequilíbrios que ainda constrangem o comércio mundial e que agravam uma das simetrias que marca o mundo de hoje. Transmiti ao presidente o meu sentimento de que estamos mais próximos do que nunca de uma conclusão bem-sucedida das negociações de Doha. Todos podem sair ganhando com um acordo ambicioso e equilibrado, sobretudo os países mais pobres. Seriam criadas mais oportunidades de crescimento e desenvolvimento nas regiões mais pobres do planeta. O comércio internacional, no setor agrícola, aumentaria, reduzindo a pobreza, gerando emprego e renda em países e regiões menos favorecidas.
Por isso, reiterei ao presidente Bush minha disposição em participar, em qualquer lugar do mundo, de um encontro de líderes, se isso nos permitir superar as últimas dificuldades para um acordo verdadeiramente histórico.
Meu caro presidente,
Sua visita ao Brasil coincide com um momento excepcional que vive o nosso continente, particularmente a América do Sul. As ditaduras que infelicitaram a região por duas décadas são uma dolorosa recordação do passado. Todos os governos sul-americanos são resultados de eleições livres, com ampla participação popular. Todos estão empenhados em projetos de crescimento, com distribuição de renda, capazes de pôr fim à terrível desigualdade social que herdamos, agravada por aventuras macroeconômicas passadas. Todos estamos finalmente empenhados em um projeto de integração sul-americana. Os países da região associaram o seu destino ao Mercosul e à Comunidade Sul-Americana de Nações. Sabemos que a integração é o melhor caminho para o fortalecimento da democracia e para a prosperidade regional. Ela cria riquezas e promove o desenvolvimento, garante uma presença mais soberana da região no mundo.
Nossa integração se dá entre nações independentes, onde a diversidade e a tolerância também são uma força. Respeitamos as opções políticas e econômicas de cada país e isso nos tem permitido avanços notáveis, expandindo o comércio, realizando obras de infra-estrutura, fortalecendo nossa segurança energética, o bem-estar de nossa sociedade e aproximando povos capazes de trilhar seu próprio caminho. A integração também abre oportunidades para investimentos extra-regionais na área de infra-estrutura, que terão um efeito multiplicador sobre nossas economias, dinamizando todos os intercâmbios.
Senhor presidente,
A redemocratização e a reconquista das liberdades políticas não foram suficientes para impedir que milhões de brasileiros e latino-americanos ainda vivam em estado de extrema pobreza. Por isso, todos os governos da região têm implementado programas para desenvolver nossos países e combater a exclusão social. Nós, os presidentes, devemos pensar na vida dessa gente mais sofrida que, além de querer democracia para eleger os seus governantes, quer ter o direito à saúde, à educação, à moradia, à segurança e quer ter o direito de conquistar a sua cidadania. Todos nós sabemos: a democracia política prospera quando se tem desenvolvimento econômico e social, quando se erradica a pobreza, quando se combate a exclusão e a desigualdade social.
Por isso, meu caro presidente Bush, esta sua visita ao Brasil, em tão pouco tempo, abre na consciência do povo norte-americano, do povo brasileiro e, acredito, que de todo o povo latino-americano, a perspectiva de que não estamos longe de poder construir um novo padrão de relacionamento entre as nações, de discutir de forma livre e soberana como os países ricos podem ajudar os países mais pobres a se desenvolverem e, mais importante do que isso, garantir que a democracia seja a razão pela qual os benefícios da riqueza, a construção da própria riqueza e os benefícios sociais que o povo precisa justifiquem plenamente a conquista sofrida da democracia no nosso continente.
Quero terminar, presidente Bush, dizendo a Vossa Excelência que o Brasil tem consciência do significado da integração da América do Sul, o Brasil tem consciência do significado da integração da América Latina, da mesma forma que o Brasil tem consciência do significado de uma aproximação do Brasil com a África e também dos Estados Unidos com a África. Penso que Estados Unidos e Brasil poderiam, juntos, construir alguns projetos que pudessem significar, para esses países mais pobres, a certeza das pessoas não verem nos países mais ricos apenas os países exploradores, mas que os vissem como os países mais ricos do planeta. Por isso, a Rodada de Doha é importante, por isso o acordo da OMC é importante e eu vejo aqui a sua ministra negociadora, vejo aqui o meu ministro negociador, e eu penso que deveríamos dar a eles uma única ordem: façam o acordo o mais rápido possível, porque, se Estados Unidos e Brasil se entenderem, fica mais fácil nós convencermos aqueles que ainda não estão participando do esforço do acordo.
Eu quero lhe agradecer e dizer que essa relação Brasil e Estados Unidos, que é uma relação consagrada ao longo de tantas décadas, vai continuar se fortalecendo, na medida em que nós nos respeitemos mutuamente, na medida em que cada um respeite as decisões políticas soberanas de cada Estado e na medida em que tenhamos capacidade de construir juntos projetos que possam ajudar terceiros países a saírem da situação de pobreza em que se encontram.