Título: Para Ricupero, visita de americano deixa saldo positivo
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2007, Nacional, p. A18

Pela primeira vez na História o Brasil obteve um reconhecimento mundial consagrador como detentor de uma tecnologia de ponta - a de grande produtor do etanol. Este, certamente, foi o grande êxito da visita do presidente George W. Bush ao País.

Mas, por muitas razões, as expectativas brasileiras devem ser comedidas; o etanol é uma alternativa, mas nunca será substitutivo do petróleo, nem o salvador da pauta de exportações brasileiras, adverte o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e ex-embaixador em Washington.

A ênfase que o governo americano deu ao tema etanol foi, na visão do embaixador brasileiro, uma inteligente forma de renovar a agenda bilateral, depois que temas como Alca e Mercosul caducaram. Para o Brasil, a nova agenda significou uma consagração mundial; para os EUA, a adoção de combustíveis renováveis interpretou a preocupação com uma questão estratégica vital.

Apesar de reconhecer o êxito da visita, Ricupero desaconselha expectativas desmedidas. O primeiro obstáculo a recomendar comedimento é a fase lame duck (¿pato manco¿, período entre a última eleição do Congresso e o fim do mandato) do presidente Bush, que terá limitações para negociar matérias comerciais e capacidade mínima para aprovar as medidas - em especial reduções tarifárias - nas duas casas do Congresso, controladas pela oposição democrata.

SEM PODER NEGOCIAR

Bush ainda está negociando matérias comerciais porque o Trade Promotion Authority (TPA) dado pelo Congresso em 2002 foi prorrogado, em 2005, até julho de 2007 - e esta autorização inclui a Rodada Doha, a Alca e acordos bilaterais.

Depois dessa data, Bush não poderá mais nem mesmo negociar matérias comerciais. Ademais, lembra Ricupero, a Constituição americana dá ao Congresso autoridade total sobre matérias comerciais. Até mesmo a autorização para negociar - e, mais do que ela, o poder de aprovar as medidas negociadas - são do Congresso.

Bush poderá até conseguir autorização do Congresso para negociar facilidades para o etanol brasileiro, mas isso é improvável, avalia Ricupero, porque o lobby dos plantadores de milho do Meio-Oeste americano é um dos mais atuantes e fortes no Congresso. Sonhar com uma forte redução de tarifas não é realista, sugere o embaixador. Para ele, o máximo que poderia acontecer é o Congresso fixar uma cota-tarifa - um limite até o qual as exportações de etanol não seriam taxadas, como já acontece com o tabaco brasileiro.

Os produtores brasileiros não devem esperar que neste ano se repitam os espetaculares números das exportações de etanol de 2006. No ano passado, explica o embaixador, os produtores de milho ainda não estavam preparados para a demanda do mercado de etanol e os preços subiram muito, o que tornou o etanol brasileiro competitivo até mesmo pagando uma tarifa de US$ 0,54 centavos por galão.

Um outro obstáculo que restringe a adoção de etanol como substitutivo da gasolina é que não existirão terras disponíveis para atender à demanda mundial, se o etanol substituísse os derivados de petróleo.

OUTRA APOSTA

O embaixador lembra que, para um futuro próximo, a indústria automobilística está apostando no automóvel com bateria de células fotoelétricas - e não no motor flex. A General Motors promete comercializar o primeiro modelo deste tipo em 2010, lembra ele.

Ricupero acha, no entanto, que a visita de Bush, se não gerar acordos comerciais e tarifários imediatos, pelo menos poderá estimular a adoção de normas técnicas para as exportações de etanol, já que a visita reuniu os dois maiores produtores mundiais. Mas ainda aqui, adverte o embaixador, o Brasil deve adotar outras cautelas. Não está claro, por enquanto, quem vai dominar o mercado mundial de etanol.

¿Se o Brasil não abrir o olho, esse mercado pode vir a ser controlado pelas grandes tradings mundiais que já dominaram o mercado de outros produtos, como a soja¿, alinha. Segundo ele, uma eventual expansão das exportações de etanol do Brasil vai exigir a construção de alianças entre a Petrobrás e companhias petrolíferas de outros países. No caso dos EUA, se torna impossível exportar para lá em grande escala sem se aliar às petrolíferas americanas.

Ao avaliar a visita de Bush, Ricupero opina que os EUA continuam sem entender a complexidade da América Latina. ¿Os nossos problemas têm uma inflexão social muito mais profunda do que um simples acordo de livre comércio¿, observa.

Para ele, caberia aos EUA patrocinar agora um grande movimento, como uma nova Aliança para o Progresso, capaz de alterar as realidades sociais do continente.