Título: O PAC e o ambiente de investimentos
Autor: Lucinda, Cláudio R. e Barrionuevo, Arthur
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/03/2007, Economia, p. B2

Um dos principais objetivos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é a construção de um ambiente de negócios conducente ao investimento privado. Nesse sentido, e parafraseando o ex-ministro Mário Henrique Simonsen, a área de regulação do plano possui coisas novas e coisas boas: o problema é que as coisas boas não são novas e as coisas novas nem sempre são boas. Algumas medidas, inclusive, conseguem nem ser boas nem novas.

Entre as coisas que não são novas está a aprovação de um marco regulatório para o setor de saneamento, a abertura do mercado de resseguros e a recriação da Sudam e da Sudene. Sobre estas últimas, há de se lembrar que, durante pelo menos as últimas décadas, a ação desses organismos se caracterizou por desvios em relação aos propósitos de desenvolvimento regional. A recriação dessas entidades, em vez de uma estrutura diferente, é um mau presságio.

A abertura do mercado de resseguros, por outro lado, é uma velha reivindicação do setor de seguros, muito importante para o processo de formação de poupança doméstica do País. Ao retirar o monopólio das operações de resseguro do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), abre-se um espaço para o fornecimento de serviços inovadores a preços menores. Além disso, a criação de um ente regulador separado da empresa gestora dos resseguros permite a eliminação de potenciais conflitos de interesse. O ponto que torna esse projeto inequivocamente positivo para a economia é a sua timidez; apesar das repetidas tentativas, ainda não foi esta vez que o IRB foi extinto.

Já a Lei 11.445/2007, que institui um novo marco para o segmento de saneamento, é uma necessidade. No entanto, assim como no caso do IRB, o grande pecado dessa medida é a sua timidez. Timidez porque, ao se eximir de responsabilidade por definir exatamente a titularidade dos serviços públicos de saneamento, dificilmente, sozinha, será capaz de atrair investimentos privados. Esta questão foi deixada em aberto, dependendo de uma decisão do Supremo Tribunal Federal - com todas as incertezas associadas. Outro ponto importante, a relação do marco regulatório do saneamento, com a legislação sobre o uso do solo, também não foi considerado.

A situação não é muito melhor quando observamos as medidas que ainda estão em tramitação. A reestruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência já está avançada por causa de aproximadamente cinco anos de análises e aprimoramentos, desde que a primeira versão desse projeto de lei foi apresentada. A única ressalva é a colocação dos limites de faturamento que determinam se uma fusão deve ser submetida à apreciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Nos setores que demandam regulação estrutural, e não de conduta, a situação é mais complicada, com o Projeto de Lei 3337/2004 apresentando iniciativas que aumentam o controle das agências reguladoras pelos respectivos Ministérios. Tal medida, apontada como extremamente nociva à independência das agências, continua no corpo do projeto de lei. Além do mais, transfere a competência para a análise de atos de concentração em setores regulados para o Cade, que, em muitos casos, pode não ter o conhecimento aprofundado sobre o setor para uma decisão bem informada.

A Lei do Gás, na versão encaminhada pelo Ministério de Minas e Energia, é um elemento importante para que se evitem futuros apagões. No entanto, como boa parte dos riscos associados vem das ações de um governo estrangeiro, enquanto alternativas ao gás boliviano não entram no mercado, a melhora regulatória terá efeitos pequenos sobre a disposição a investir do setor.

Depois de todas essas medidas que existiam previamente ao anúncio do PAC, finalmente chegamos à única das medidas que é completamente nova: a regulação do artigo 23 da Constituição, que esclareceria as atribuições de cada um dos entes federativos no campo ambiental. O licenciamento de atividades com potencial risco ambiental de âmbito nacional ou regional passa a ser atribuição da União. Esta medida, que pelas características descritas na imprensa parece ser positiva para o aumento dos investimentos, ainda precisa ser apreciada pelo Congresso, pois depende de projeto de lei complementar.

Em resumo, as medidas anunciadas com fanfarra, como sendo uma grande ¿melhora do ambiente de investimento¿, podem ser entendidas como tal somente em comparação com o vazio regulatório completo em algumas áreas, combinado com a inação governamental em outras.