Título: Eleitos de cabresto
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2007, Espaço Aberto, p. A2

Muito oportuna a iniciativa da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) de promover seminário sobre o tema Voto Distrital: a Reforma Política que Interessa ao Brasil, na segunda-feira.

No evento, o ex-presidente FHC advertiu que o Legislativo passa por crise de legitimidade, dada a enorme distância de seus membros em relação aos eleitores, o que abre espaço para uma crise institucional e para pregadores de um Executivo populista e autoritário.

A falta de legitimidade alcança a Câmara dos Deputados, as Assembléias das Unidades da Federação e as Câmaras Municipais, e sei que grande parte do problema é o sistema de votação proporcional.

No seminário se apontou o desconhecimento que os eleitores têm tanto desse sistema como do distrital. Assim, vale lembrar algumas das características de ambos. No proporcional, os partidos ou coligações escolhem seus candidatos para disputar determinado número de vagas, por exemplo, as 70 de deputado federal por São Paulo. Como há 29 (!) partidos, o número de candidatos é muito alto - 1.098 (!) na última eleição. O voto do eleitor num deles é contado para o partido ou coligação, que elege um número de deputados proporcional aos votos válidos recebidos. São eleitos os candidatos mais votados do partido ou da coligação. Com isso os ¿puxadores de votos¿, no topo da lista, às vezes arrastam ao final dela outros com quantidades inexpressivas de sufrágios.

Com tantos candidatos é impossível realizar debates entre eles e o eleitor não tem condições de confrontar uns com outros para escolher melhor. Vota-se num, mas o voto poderá eleger outro até detestado pelo eleitor. E mais: com os candidatos disputando votos por todo o Estado, isso gera brigas até mesmo dentro de cada partido, contribuindo para a sua fragilidade.

O voto distrital supera essas dificuldades. Nele, dentro de cada distrito - e nesse caso seriam 70 no Estado, cada um com cerca de 400 mil eleitores, em São Paulo - o partido indicaria apenas um candidato, com o que o número deles se reduziria a uns cinco mais viáveis. O eleito seria o representante do distrito, e não apenas dos que votaram nele. Mais próximo do olhar de seus constituintes, teria de prestar contas dos seus atos e seria cobrado por isso. Mesmo os não-eleitos se tornariam pessoas conhecidas. Como opositores do eleito, criticariam o seu desempenho com vista a uma revanche na eleição seguinte. Em síntese, o voto distrital aproxima o cidadão do seu representante, dá maior legitimidade ao Legislativo e torna a democracia mais efetiva.

A maior crítica que se pode fazer a ele é que tende a excluir as minorias políticas, que mesmo com um bom desempenho em termos de votos não alcançariam representação parlamentar. Em tese, um partido que mesmo bem votado perdesse todas as eleições distritais não teria representante.

Isso, contudo, é apenas uma possibilidade. Dado o tamanho do eleitorado brasileiro e não tendo ele compromissos ideológicos e partidários bem definidos, votando mais pelas características pessoais do candidato, esse risco é pequeno. De qualquer forma, se o sistema caminhasse nessa direção, também poderia incorporar parcela de representantes eleitos pelo voto proporcional, no chamado voto distrital misto.

Há duas dificuldades principais para a adoção do sistema distrital no Brasil. A primeira, já assinalada, é o desconhecimento que o eleitor tem do sistema atual e de alternativas. Assim, seria importante que a ACSP e as muitas associações do gênero, dada a sua grande penetração por todo o território nacional, levassem adiante um esforço de estender esse debate, estimulando outras instituições a fazer o mesmo. Seria também fundamental que a mídia, no seu dever de informar, divulgasse mais matérias sobre o assunto, esclarecendo os cidadãos sobre as características dos dois sistemas e a experiência dos países em que são utilizados.

A segunda dificuldade é a de convencer os deputados federais a votar pelo voto distrital. A razão é que boa parte dos eleitos pelo atual sistema teria reduzidas chances numa eleição distrital. Assim, seria como colocar perus a votar pelo Natal e pelo sacrifício que vem com ele.

Nessa linha, é atraente a proposta de FHC de adotar o voto distrital inicialmente nas eleições municipais, alcançando posteriormente os Legislativos estaduais até chegar à Câmara Federal. Sabe-se também que o voto distrital misto tem mais chances de aprovação, já que é também um sistema proporcional, prescindindo de emenda constitucional para sua introdução.

Há dez anos prego o voto distrital, e insistirei, mesmo com o risco de aborrecer os leitores. Vejo a questão também como economista, pois acredito que grandes obstáculos ao crescimento econômico do País, como sua enorme carga tributária, não teriam aumentado tanto na presença de um sistema distrital, no qual seria mais viável a eleição de legisladores comprometidos com a redução dessa carga, em face do maior vínculo que teriam com o eleitor-contribuinte.

Na história política do Brasil é comum a referência ao eleitor de cabresto, nas suas várias formas. De modo geral, é aquele que vota sem condições de escolher por si mesmo o seu candidato, constrangido que é a votar num deles. O sistema proporcional de eleição para o Legislativo também é uma forma de cabresto, pois leva o eleitor a escolher excrescências em lugar de excelências em matéria de desempenho, elegendo gente que não guarda harmonia com os interesses do eleitor.

No distrital, a idéia-síntese é a de colocar cabrestos nos eleitos, hoje soltos para o que der e vier, e também para quem vier e der, cooptando-os para os mais variados interesses que não os dos eleitores.