Título: O retorno do mensalão
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Enquanto o lero-lero da assim chamada reforma ministerial continua a rastejar pelo noticiário - com o presidente Lula dizendo entre risos, como se não devesse satisfações ao País, que ¿tanto posso como não posso¿ anunciar até o fim da semana mais um nome escolhido, além do novo titular da Justiça, Tarso Genro -, viceja nos subterrâneos do poder a mesma tática de aliciamento de parlamentares, empregada no primeiro mandato, que engendrou o mensalão. Logo que Lula se instalou no Planalto, o seu grão-operador político, ministro José Dirceu, acertou com o PL do vice José Alencar e com o PTB do então governista Roberto Jefferson o assédio a deputados oposicionistas conhecidos pela flexibilidade das respectivas colunas vertebrais.

Só quando, por ressentimento e desejo de vingança, o ex-collorido mostrou como funcionava o esquema de compra e venda de deputados, para garantir ao governo a maioria mais ampla possível na Câmara, foi possível entender as razões de fundo, digamos assim, por que em 2003 o PFL e o PSDB perderam, cada um, 19 deputados, ao passo que o PL ganhou 16 e o PTB, 29. Agora, mudaram apenas as siglas de conveniência. O PTB perdeu serventia (e 1 deputado) porque, embora governista, ainda é presidido pelo cassado Jefferson. E o PL se metamorfoseou em Partido da República (PR), ao se fundir com o Prona. O arranjo acrescentou 2 cadeiras às 23 que os liberais - mais próximos da liberalidade do que do liberalismo - obtiveram.

Desde então, outro arranjo, que há de embutir promessas mais sonantes, já fez aumentar a representação do PR para 38 deputados (ou 40, caso tenham se confirmado as adesões previstas para ontem). Apoiado pelo Planalto, o programa de aceleração do crescimento da legenda tem como meta formar uma bancada de no mínimo 50 políticos, todos, evidentemente, lulistas veteranos. A sensação que permeia a Câmara ¿é a mesma que se tinha antes e que acabou no mensalão¿, diz o líder do PPS, Fernando Coruja. Jefferson é mais direto. ¿Conheço essa prática¿, alertou. ¿Já vi esse filme e já li esse prefácio.¿ Por falar em déjà vu, aliás, é oportuno lembrar que a figura de proa do PR era o presidente do PL, o deputado Valdemar Costa Neto, vulgo ¿Boy¿. Acusado de mensalismo, renunciou para fugir da eventual cassação, e assim pôde se reeleger. Decerto é um dos que se empenham para que Lula não perca o sono mesmo na véspera daquelas votações que exigem maioria qualificada de 3/5 dos parlamentares, como nos projetos de emenda constitucional. Não basta, para o presidente, ter o apoio de uma dezena de partidos. É preciso que suas bancadas sejam as mais enxundiosas. Sem falar que, ainda assim, surpresas desagradáveis acontecem. Os deputados do PDT, por exemplo, assinaram o requerimento de convocação da CPI do Apagão Aéreo e ainda se recusaram a retirar as assinaturas.

O jogo é bruto. Mesmo que já não se tenha descido ao estágio monetário, a barganha impera. Domingo passado, este jornal publicou declarações do deputado pefelista Márcio Junqueira, de Rondônia, em entrevista ao repórter Expedito Filho, segundo as quais o ex e possivelmente futuro ministro dos Transportes, senador amazonense Alfredo Nascimento, tentou atraí-lo para o seu PR, em troca do controle de um naco do Departamento Nacional de Infra-Estrutura (Dnit), entre outras benesses. O presidente do PR, Sérgio Tamer, pediu à Câmara que investigasse Junqueira. ¿Agora quem denuncia o que estão fazendo de errado é que é culpado¿, exclama o líder da minoria, Júlio Redecker, do PSDB.

Já o líder ¿republicano¿ na Câmara, Luciano Castro, num assomo de franqueza (de que já parece ter se arrependido) reconheceu o óbvio: ¿Vários deputados precisam estar na base aliada. Caso contrário, começam a perder prefeitos e vereadores. Um deputado que precisa do governo não agüenta muito tempo na oposição. É como um castelo de cartas que se esfarela: se o deputado não responder às necessidades de sua base, começa a perder apoio.¿ É o que faz funcionar a coalizão à brasileira, sem um programa comum, em que o governo mercadeja apoios, mas não reparte poder.