Título: Um sonho de reforma
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Quarenta anos depois da última grande mudança, implantada em 1967, o Brasil precisa com urgência de um novo sistema de impostos. O governo voltou a falar em reforma, na semana passada, quando tentou comprar o apoio dos governadores para prorrogar, mais uma vez, o chamado imposto do cheque, a desastrosa Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Quanto à prorrogação, será aprovada, pois o governo federal não poderá renunciar, em pouco tempo, à gorda receita propiciada por aquele mostrengo fiscal. Esse é o único resultado previsível com alguma segurança.

No ano passado o Tesouro arrecadou R$ 32 bilhões com esse imposto e neste ano deverá recolher ainda mais. A necessidade é uma questão de fato, os políticos sabem disso e os governadores, seduzidos pela promessa de uma fatia do bolo, não deverão criar problemas. Quanto à reforma, a história é outra.

Embora indispensável e urgente, será difícil mobilizar o apoio necessário a um projeto sério, porque é difícil a conciliação de interesses, ninguém quer correr o risco de perder receita e o governo federal, apesar de sua retórica e da boa intenção de alguns técnicos, é o primeiro a vacilar quando se trata de racionalizar arrecadação e despesa.

Quem quer sonhar com uma reforma para valer dispõe pelo menos de um bom material para alimentar a imaginação. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, preparou um esboço atraente de um novo sistema, com mudanças tanto de impostos federais quanto de tributos estaduais.

Nas linhas básicas, o modelo assemelha-se aos melhores desenhos propostos na primeira metade dos anos 90. Algumas dessas propostas foram postas em tramitação no Congresso, na década passada, mas deram em nada. O projeto finalmente apoiado pelo governo petista, no primeiro mandato, ficou muito longe de qualquer reforma digna desse nome. Esse projeto continua em tramitação e é considerado ruim por especialistas de competência reconhecida nacionalmente. O próprio Ministério da Fazenda, agora, retoma as idéias mais ambiciosas.

O esboço apresentado na primeira semana de março parte de um severo diagnóstico do sistema atual. Os impostos e contribuições em vigor no Brasil são excessivamente complexos e envolvem uma impressionante multiplicidade de alíquotas e bases de cálculo. São cumulativos, oneram tanto o investimento produtivo quanto o comércio exterior e facilitam a guerra fiscal entre Estados.

Foram criticados, na apresentação, tanto os tributos federais quanto os estaduais. De modo geral, o sistema entrava os negócios e dificulta o crescimento e a modernização da economia. É incompatível com a pretensão nacional de participar de um sistema global cada vez mais integrado e baseado na inovação constante e na competição. Os maus efeitos do sistema são resultantes, em parte, de um defeito de origem. No Brasil, ao contrário da orientação adotada na Europa, quando se adotou a tributação do valor agregado, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM, convertido em ICMS depois da Constituição de 1988) foi concebido como tributo estadual. Como a arrecadação é dividida entre os Estados de origem e de destino, nas operações interestaduais, o sistema de créditos funciona mal, dificultando, entre outras coisas, a desoneração dos investimentos e da exportação.

Pela nova proposta concebida no Ministério da Fazenda, todos os tributos sobre bens e serviços (ICMS, IPI, PIS, Cofins e Cide) seriam substituídos por dois impostos sobre o valor adicionado (IVA), um estadual e um federal.

O tributo estadual poderia ter alíquotas diferenciadas, mas dentro de limites fixados por lei federal. A receita pertenceria ao Estado de destino. Com uma legislação mais simples e de maior alcance, a guerra fiscal seria dificultada e o sistema de créditos funcionaria com maior eficiência, facilitando a desoneração do investimento e da exportação.

Seriam necessários alguns anos de transição. A adaptação não seria simples, como não foi na última grande mudança, mas os ganhos seriam enormes. Só falta encontrar quem esteja disposto a trabalhar pela mudança. Não parece ser o caso do atual governo federal nem dos estaduais.