Título: Os propósitos do ministro da Justiça
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Há políticos que se aperfeiçoam na arte de dizer aquilo que acham que seus interlocutores querem ouvir. Como conversam com muitas pessoas, e estas têm interesses diversos, esses políticos acabam tendo muitas opiniões sobre um mesmo assunto. Esperamos que esse não seja o caso do ministro Tarso Genro, que acaba de assumir a Pasta da Justiça.

O ex-prefeito de Porto Alegre tem sido um disciplinado militante do Partido dos Trabalhadores (PT) e, nessa qualidade, serve ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um curinga. Logo no início do primeiro mandato, sem mandato eletivo, foi nomeado para dirigir o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Depois, substituiu o senador Cristovam Buarque, demitido por telefone do Ministério da Educação. Com a crise do mensalão e a renúncia do deputado José Genoino, Tarso Genro tornou-se presidente interino do PT. Feito ministro das Relações Institucionais, foi agora catapultado para o Ministério da Justiça.

Nada mais natural, diante desse currículo, que houvesse preocupações quanto à capacidade do militante polivalente para exercer as complicadas funções do Ministério da Justiça, esquecendo dessa sua condição.

Nas entrevistas que concedeu ao Estado e à Folha de S.Paulo, na véspera de receber o Ministério da Justiça das mãos de Márcio Thomaz Bastos, Tarso Genro esmerou-se em desfazer receios quanto à sua futura atuação.

Nesse sentido, observou que o Ministério da Justiça é uma pasta política - o que é uma obviedade -, mas acrescentou que, ¿partidário, ele nunca se tornará sob a minha gestão. Seria desmoralizar completamente um dos Ministérios mais importantes do País¿. Trata-se, portanto, de um compromisso de que o Ministério da Justiça não será aparelhado, ao contrário do que ocorreu com setores vitais da administração pública, desde o início do governo petista. A ver.

O novo ministro também garantiu que a Polícia Federal não será posta a serviço dos interesses do PT. ¿Quem vai comandar a Polícia Federal é o chefe da Polícia Federal, não o ministro da Justiça. O ministro não comanda nem orienta a Polícia Federal fora da legalidade (...) Ao ministro da Justiça não compete interferir nas ações, a não ser para preservar a legalidade, quando isso, eventualmente, for ferido.¿ Essa é a boa doutrina e o que manda a lei - e o que se espera é, nada mais, nada menos, que o estrito respeito a essas normas ¿republicanas¿, como gosta de dizer o ministro Tarso Genro. Ele, aliás, considera ¿um absurdo, uma irresponsabilidade e uma ofensa¿ o uso político da Polícia Federal, opinião certamente compartilhada por todos os democratas brasileiros.

A respeito da liberdade de imprensa - contra a qual o governo petista atentou, quando apresentou ao Congresso o projeto, retirado após reação generalizada da opinião pública, de criação do Conselho Nacional de Jornalismo, que imporia os cânones da ¿finalidade social¿ da imprensa - o ministro também foi incisivo. No Brasil, disse, não há problema de liberdade de imprensa, nem de mau exercício dessa liberdade, e a mídia é plural, refletindo as várias opiniões políticas. Mas, dito isso, começam as ambigüidades. Segundo o novo ministro da Justiça, o que tem de ser discutido é a ¿liberdade de circulação de opinião¿. E segue-se a explicação da expressão canhestra: ¿Falta possibilidade da cidadania mais deslocada do debate político, afastada de assuntos de informação, poder exprimir de forma tão abrangente como os demais sua posição (sic).¿

Trocando em miúdos, Tarso Genro volta a um tema que lhe é caro. Para ele, a imprensa está sob o controle do ¿poder econômico¿ e foi responsável pelo processo de ¿destruição cruel¿ do Legislativo - uma referência ao noticiário sobre o mensalão, promovido pela ¿sofisticada organização criminosa¿ que se confundia com a cúpula do PT. Na verdade, o PT queimará até o último cartucho para instituir uma rede de rádio e televisão que, a pretexto de dar voz aos ¿excluídos¿ e defender as posições do governo - do PT, é claro - seja um instrumento de manutenção do poder.

Não se pode esquecer que o novo ministro da Justiça foi o principal redator de um documento cuja primeira versão se referia à ¿crise de corrupção programática e ética¿ vivida pelo PT, expressão que, na versão definitiva, foi expurgada. Os deveres de fidelidade à ¿causa¿, como se vê, podem sobrepujar a verdade e o direito.