Título: Governo que não decide
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Quando teme ou não quer tomar decisões necessárias para o País, mas que contrariam alguns de seus membros, o governo do PT tem uma maneira peculiar de agir. Busca, e geralmente encontra, mecanismos legais, administrativos ou meramente protelatórios que permitem retardar o processo decisório. Assim, nem é forçado a admitir publicamente que é contrário à decisão adiada, nem é obrigado a tomá-la. Apenas deixa o tempo passar. A questão da concessão de sete trechos rodoviários à iniciativa privada deixa muito clara essa maneira petista de (não) governar. Se não realizada com presteza, a licitação desses trechos será adiada para 2008, porque proximamente perderão validade estudos que balizam o cálculo do pedágio a ser cobrado. No fundo, é exatamente o que deseja uma parte do governo Lula.

Para se ter uma noção da importância desses trechos para a população e para a economia do País, basta dizer que entre eles estão as ligações de São Paulo com Belo Horizonte e Curitiba. Como o governo não tem dinheiro para investir o suficiente na conservação e melhoria, a malha rodoviária estatal se deteriora, o que aumenta a insegurança e eleva os custos dos transportes. Já a privatização resulta em rodovias mais conservadas e mais seguras, como sabem os que utilizam os trechos rodoviários privatizados no Estado de São Paulo.

No início de 2007, numa atitude que surpreendeu até alguns integrantes do governo, o Palácio do Planalto anunciou que desistira de conceder os sete trechos à iniciativa privada e que os administraria diretamente, nele instalando postos de pedágios. Anunciada no momento em que líderes populistas do continente anunciavam medidas estatizantes, a decisão do governo assustou os investidores internacionais, que até então manifestavam firme interesse em aplicar recursos no País e só não o faziam de maneira intensa por falta de projetos.

O governo Lula voltou atrás e, algumas semanas depois, anunciou o reinício do processo de concessão. Mas anunciou também que a concessão seria feita de acordo com novas regras, cuja elaboração serviu de argumento para retardar um pouco mais o estabelecimento definitivo dos critérios que permitirão a publicação dos editais. Agora, como mostrou o Estado na quarta-feira, tem intenção de solicitar à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), órgão responsável pelos editais, que sejam refeitos os estudos sobre o fluxo de tráfego nas estradas.

Há uma explicação técnica para isso. Esses estudos são importante para a determinação do valor do pedágio e é neles que se baseiam os relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), ao qual compete aprovar os termos dos editais. Os relatórios, por sua vez, têm validade por dois anos anos. Alguns deles foram feitos em 2005 e estão prestes a vencer. O governo pode realizar a licitação com rapidez. Mas, se solicitar, como é mais provável, novos estudos sobre fluxo de tráfego, o atraso no processo será grande. Cada estudo exige de quatro a cinco meses para ser concluído. Depois, seus resultados terão de ser submetidos ao TCU, para a elaboração de novo relatório. Em resumo, não será possível realizar os leilões antes de 2008.

Ruim para o País, que carece de infra-estrutura adequada, um novo atraso na concessão de rodovias para a iniciativa privada não surpreenderá quem acompanha com alguma atenção o modo como o governo do PT trata, ou destrata, questões decisivas para o crescimento.

A Lei do Saneamento, por exemplo, aguardada com ansiedade por governos estaduais, prefeituras e empresas particulares interessadas em investir no setor, impõe exigências que dificilmente poderão ser cumpridas no curto prazo pelas grandes cidades. O presidente Lula determinou que seus auxiliares encontrem solução imediata. Ela foi prometida para abril - é esperar para ver.

A construção das usinas hidrelétricas do Rio Madeira, que constam do Programa de Aceleração do Crescimento, depende da licença ambiental concedida pelo Ibama, que a prometeu para março, mas continua a estudar o assunto.

O País, felizmente, pode crescer, e continuará a fazê-lo, apesar do governo. Mas se o Poder Público agisse com mais eficiência, certamente cresceria mais, e mais depressa.