Título: Oposição e base dividem Câmara como se fosse estádio
Autor: Lopes, Eugênia
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2007, Nacional, p. A8

Em dias de votação, o plenário da Câmara é tomado por uma balbúrdia que lembra um mercado, como observou o deputado Clodovil Hernandes (PTC-SP) em seu discurso de estréia. Essa confusão esconde uma geografia bem estabelecida: no lado esquerdo, em posição frontal à Mesa Diretora, ficam os deputados governistas, liderados pelo PT e seus aliados. As cadeiras do lado direito do plenário são ocupadas pelos oposicionistas, como o PFL e o PSDB.

¿No teatro da Câmara, a simbologia do espaço lembra a dos grandes estádios de futebol: as maiores torcidas têm seus lados cativos. Cristalizou-se o campo da direita para o PFL-PSDB e o da esquerda para o PT-PMDB. Mas, pelos discursos e votos dos últimos anos, essa divisão não guarda muita coerência ideológica¿, diz o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que se senta na ala dos governistas.

Essa divisão de território entre esquerda e direita é seguida, no entanto, pela maioria dos deputados novatos. ¿Procuro me aproximar dos colegas de bancada. Por isso me sentei aqui. Mas gosto de circular e tenho amigos que são de outros partidos¿, explica o deputado de primeiro mandato Otávio Leite (PSDB-RJ), posicionado logo atrás dos pefelistas.

¿É uma bagunça organizada¿, opina a deputada Manuela D¿Ávila (PC do B-RS), frisando que a origem de esquerda e direita vem dos tempos da Revolução Francesa, no século 18.

VALES

Existe outra divisão informal no plenário. Com 396 cadeiras para um total de 513 deputados, o plenário pode ser dividido em três grandes grupos: comissão de frente, vale da melancolia e vale de los caídos. Bem na frente, nas primeiras fileiras, ficam os líderes partidários e os deputados ¿caxias¿, que não perdem uma sessão da Câmara. É o caso de Camilo Cola (PMDB-ES), dono da maior declaração de bens da Câmara, com um patrimônio estimado em R$ 260 milhões, que fica do lado direito, normalmente lendo.

O chamado vale de los caídos sempre foi terreno do baixo clero, os deputados pouco conhecidos. Ultimamente, no entanto, tem servido de abrigo para nomes importantes atingidos por escândalos. Entre os que podem ser vistos sempre por lá estão os deputados Jader Barbalho (PMDB-PA), ex-presidente do Senado e ex-governador, e João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara.

É aí que se sabe de tudo o que está acontecendo: as últimas piadas, fofocas sobre o governo e parlamentares e até previsões sobre o futuro ministério.

O presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), deputado Armando Monteiro (PTB-PE), o ex-governador de Sergipe Albano Franco (PSDB) e o ex-ministro Alceni Guerra (PFL-PR) têm lugar cativo no fundo do plenário.

Aí é o local preferido também de cerca de 200 ¿deputados relâmpagos¿, que só vão ao plenário para marcar rapidamente a presença ou registrar seu voto eletrônico.

MELANCOLIA

Eleito deputado depois do caso do mensalão, o petista José Genoino (SP) - que durante 20 anos de mandato, de 1983 a 2003, circulava com desenvoltura pelo corredor central do plenário e ocupava a todo o instante um dos 10 microfones de apartes - costuma agora ficar sentado sozinho numa cadeira lateral, à esquerda.

Lá fica o chamado vale da melancolia, local ocupado por parlamentares que querem virar estrela ou já foram estrelas e hoje vivem no ostracismo.

É o caso do ex-ministro da Previdência Reinhold Stephanes (PR), que não conseguiu abandonar velhos hábitos e senta-se hoje ao lado direito, junto com pefelistas e tucanos, apesar de estar no PMDB. Quando foi ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, Stephanes era do PFL.

Já o ex-prefeito e ex-governador Paulo Maluf (PP-SP), alvo de processos na Justiça, fica na divisa entre o vale da melancolia e a comissão de frente. Sentado do lado direito.

O corredor central do plenário da Câmara, que se transforma em algazarra nos dias de votações polêmicas, é o palco preferido dos líderes partidários, que ficam horas em pé negociando a aprovação de projetos, e também de deputados que gostam de usar um dos dez microfones da Casa para fazer apartes. É a turma do gargarejo, como são conhecidos. Os ex-ministros Miro Teixeira (PDT-RJ) e Ciro Gomes (PSB-CE) são freqüentadores esporádicos dali.

Ao contrário da Câmara, cada um dos 81 senadores tem lugar fixo. Os lugares são marcados por ordem alfabética dos Estados, da esquerda para a direita, em posição frontal à Mesa Diretora - ou seja, os três senadores de cada Estado sentam-se lado a lado. ¿No começo senti muitas saudades da Câmara. Aqui no Senado é tudo muito certinho¿, lembra o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), que foi deputado por 12 anos.