Título: De quem é o petróleo, afinal?
Autor: Juhasz, Antonia
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2007, Internacional, p. A19

Hoje, mais de três quartos do petróleo mundial pertencem e são controlados por governos. Nem sempre foi assim. Até 35 anos atrás, boa parte do petróleo mundial estava nas mãos de sete corporações com sede nos EUA e na Europa. Depois se fundiram em quatro: ExxonMobil, Chevron, Shell e BP. Elas estão entre os maiores e mais poderosos impérios financeiros do mundo. Mas desde que perderam seu controle exclusivo do petróleo para os governos, as companhias vêm tentando recuperá-lo.

As reservas de petróleo do Iraque - consideradas as segundas maiores do mundo - sempre estiveram no topo da lista de desejos das corporações. Em 1998, Kenneth Derr, então presidente-executivo da Chevron, disse a uma platéia em San Francisco: ¿O Iraque possui reservas imensas de petróleo e gás - reservas às quais eu adoraria que a Chevron tivesse acesso.¿

A nova legislação do petróleo a ser analisada pelo Parlamento iraquiano este mês, se aprovada, seria uma grande ajuda para as companhias petrolíferas alcançarem seu objetivo. A lei dos hidrocarbonetos do Iraque tiraria a maior parte do petróleo das mãos exclusivas do governo iraquiano e a entregaria a companhias petrolíferas estrangeiras por uma geração ou mais.

Em março de 2001, o Grupo de Desenvolvimento de uma Política Nacional de Energia (mais conhecido como a força-tarefa de energia do vice-presidente Dick Cheney), que incluiu executivos das maiores companhias de energia dos EUA, recomendou que o governo americano apoiasse iniciativas de países do Oriente Médio ¿para abrir áreas de seus setores de energia ao investimento estrangeiro¿. A proposta lei do petróleo iraquiana resultaria em uma invasão e uma grande dose de engenharia política do governo Bush. Ele faz isso para o benefício das companhias, mas em grande detrimento da economia, democracia e soberania do Iraque.

Desde a invasão do Iraque, o governo Bush tem atuado agressivamente para a aprovação da lei do petróleo. Ela é um dos marcos reservados pelo presidente americano para o governo do primeiro-ministro Nuri al-Maliki, um fato que Bush, a secretária de Estado Condoleezza Rice, o general William Casey, o embaixador Zalmay Khalilzad e outros funcionários do governo vêm enfatizando publicamente com crescente ansiedade.

Washington tem salientado o plano de partilha da receita contido na lei, pelo qual o governo central iraquiano distribuiria a receita do petróleo por toda a nação numa base per capita. Mas os benefícios dessa proposta são radicalmente reduzidos por outras provisões da lei - estas permitem que uma boa (se não a maior) parte da receita do petróleo do Iraque saia do país e vá parar nos bolsos de companhias petrolíferas internacionais.

A lei transformaria o setor de petróleo iraquiano de um modelo nacionalizado fechado a companhias de petróleo americanas por contratos de comercialização limitados (mas muito lucrativos), num setor comercial, quase privatizado, inteiramente aberto a todas as companhias internacionais de petróleo.

A Companhia Nacional de Petróleo do Iraque teria o controle exclusivo de apenas 17 dos 80 campos petrolíferos conhecidos do Iraque, deixando dois terços dos campos - e de todos ainda a ser descobertos - abertos ao controle estrangeiro. As companhias estrangeiras não teriam de investir seus lucros na economia iraquiana, se associar com companhias iraquianas, contratar trabalhadores iraquianos ou partilhar novas tecnologias. Elas poderiam até se esquivar da atual ¿instabilidade¿ do Iraque assinando contratos agora, enquanto o governo iraquiano está no seu ponto mais fraco, e depois esperar ao menos dois anos antes de pôr os pés no país. A vasta maioria do petróleo iraquiano seria então deixada no subsolo durante pelo menos dois anos em vez de ser usada para o desenvolvimento econômico do país.

As companhias internacionais de petróleo também poderiam receber alguns dos contratos empresariais mais convenientes do mundo, incluindo o que chamam de acordos de partilha da produção. Esses acordos são o modelo preferido do setor petrolífero, mas são francamente rejeitados pelos principais países produtores de petróleo do Oriente Médio porque concedem contratos de longo prazo (20 a 35 anos no caso do anteprojeto de lei do Iraque) e maior controle, propriedade e lucros para as companhias do que outros modelos. Na verdade, eles são usados para apenas 12% do petróleo mundial. Os vizinhos do Iraque - Irã, Kuwait e Arábia Saudita - mantêm sistemas de petróleo nacionalizados e consideram ilegal o controle estrangeiro sobre o desenvolvimento do petróleo. Todos contratam companhias petrolíferas internacionais para prestarem serviços específicos, por um período limitado de tempo, e sem lhes conceder interesse direto no petróleo produzido.

Os iraquianos podem perfeitamente optar pelo uso da experiência das empresas petrolíferas internacionais. Eles provavelmente o fariam de um modo que serviria melhor a suas necessidades se estivessem livres da grande pressão externa exercida pelo governo Bush, as corporações de petróleo - e a presença de 140 mil soldados americanos.

As cinco federações sindicais do Iraque, representando centenas de milhares de trabalhadores, divulgou uma declaração contrária à lei e rejeitando ¿a entrega do controle do petróleo a companhias estrangeiras, que solaparia a soberania do Estado e a dignidade do povo iraquiano¿.

Elas pedem mais tempo, menos pressão, e uma chance para a democracia que lhes foi prometida.