Título: Adiando o fim do mundo
Autor: Viana, Virgilio
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2007, Vida&, p. A25

Os resultados científicos sobre a mudança climática global são contundentes. O clima do planeta já mudou e a velocidade do processo de mudança está aumentando. Mantido o atual padrão de desenvolvimento, as mudanças climáticas terão conseqüências graves, aumentando a probabilidade de catástrofes climáticas extremas, com profundas conseqüências para a economia, saúde, qualidade de vida e sustentabilidade dos ecossistemas naturais. Alguns cenários mostram que vastas regiões do planeta deverão se tornar inabitáveis ou muito inóspitas para a sobrevivência humana.

Três documentos recentes são leituras obrigatórias para quem pensa no futuro da Amazônia, do Brasil e do planeta: o Relatório Stern, publicado pelo governo inglês no final de 2006; o relatório do Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC), publicado pelas Nações Unidas no início de fevereiro deste ano, e o relatório sobre a Caracterização do Clima Atual e Definição das Alterações Climáticas para o Território Brasileiro ao Longo do Século 21, publicado pelo governo brasileiro no final de fevereiro. Acrescente-se a esta lista o filme de Al Gore, Uma Verdade Inconveniente.

A síntese é que o aquecimento global tem sido agravado pela atividade humana e a escala do processo não tem precedente nos últimos 20 mil anos. O processo de mudança climática está diretamente relacionado com a quantidade de gases que causam o efeito estufa e que são produzidos pela ação do homem. Teoricamente, portanto, poderíamos conseguir diminuir a velocidade da mudança do clima se conseguíssemos diminuir a produção da fumaça que sai de nossos carros, fábricas, usinas termoelétricas e desmatamento. Em outras palavras, poderíamos adiar o fim do mundo.

Os cenários mais sombrios apontam para um fenômeno chamado ¿die back¿ ou colapso total da floresta amazônica, com o seu virtual desaparecimento e substituição por cerrados até 2050. Isto afetaria radicalmente a navegabilidade dos rios, a produção de peixes, a produtividade agropecuária, a qualidade de vida nas cidades e a sustentabilidade dos sistemas tradicionais de vida dos nossos indígenas e ribeirinhos. Pergunta-se: evitar este cenário apocalíptico interessa à sociedade amazonense? Controlar o desmatamento interessa à sociedade amazonense não apenas pelas suas conseqüências para o aquecimento global. Sem igapó não teremos tambaqui. Sem nossas florestas perderemos nossos rios, lagos e igarapés. Podemos imaginar como seria a vida no Amazonas num cenário destes?

Seguramente muito pior, para todos: ricos e pobres. Conservar nossas florestas é, portanto, bom para o Amazonas.

Sabemos que o grande vilão das mudanças climáticas são os Estados Unidos e a China, responsáveis pela maior parte das emissões globais de gás carbônico - o principal gás que causa o efeito estufa. Entretanto, devemos enfrentar a realidade do Brasil ser a quarta maior fonte de gases-estufa do mundo, sendo que o principal responsável por isto é o desmatamento na Amazônia.

Se conservar nossas florestas é bom para o resto do mundo, é justo que os demais Estados e países dividam conosco o custo da conservação. Com a vontade política do governador Eduardo Braga e os resultados do Programa Zona Franca Verde, mostramos que sabemos como conservar.

Nosso desafio é aumentar o fôlego do que estamos fazendo, o que depende de mais recursos financeiros. Para isto devemos criar um mecanismo para que a sociedade amazonense seja recompensada financeiramente pelos serviços ambientais que suas florestas prestam ao restante da humanidade. Com isto, poderemos dar nossa parcela de contribuição para adiar o fim do mundo. Quem sabe assim possamos ter mais tempo para descobrir soluções para a crise que vivemos.