Título: Argentina desmilitariza controle
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2007, Metrópole, p. C5

No meio do caos generalizado nos principais aeroportos argentinos, o presidente Néstor Kirchner anunciou ontem a desmilitarização do controle de tráfego aéreo no país. Desta forma, os militares perderão o controle sobre o setor, que dominavam desde 1966. A decisão havia sido anunciada previamente por Kirchner em outubro do ano passado. Após uma greve de pilotos - que se recusavam a voar com medo do mau funcionamento nos radares do Aeroporto de Ezeiza - ao longo da semana passada, somada ao pânico dos passageiros em voar em condições quase inexistentes de segurança, o presidente optou por apressar os prazos de transferência do controle militar para o civil e assinou um decreto que cria a Administração Nacional de Aviação Civil (Anac).

'A estrutura aérea está quebrada', disparou Kirchner, durante um comício na província de Chubut. O presidente anunciou que, como medida de urgência, o Estado argentino comprará 14 radares e alugará outros dois. 'A medida é para que os argentinos estejam seguros.' Ele já começou, informalmente, sua campanha para as eleições presidenciais de outubro (caso ele não se apresente, a candidata seria sua mulher, a primeira-dama e senadora Cristina Fernández de Kirchner).

A Anac ficará sob o controle da Secretaria de Transportes, por sua vez dependente do Ministério de Planejamento Federal, dominado por Julio De Vido, o poderoso braço direito de Kirchner na área econômica. Os analistas indicam que a decisão de Kirchner não passa de uma manobra para acalmar a irritação dos passageiros nos últimos meses. De olho nas eleições, Kirchner teria optado por fazer um anúncio retumbante, mas de pouca aplicação prática no momento, uma vez que o processo de transferência dos militares para os civis levará meses. Além disso, os radares que serão comprados só chegarão à Argentina no fim do ano.

FORÇA ÁREA S.A.

O país foi cenário de dois graves acidentes aéreos nos últimos dez anos, nos quais morreram mais de 250 pessoas. Nesse período, a crise do setor agravou-se a cada ano. Em 2006, o lançamento do filme-denúncia Força Aérea S.A. teve alto impacto na opinião pública, o que motivou o presidente a passar o controle aéreo militar para civil.

A transferência total estava prevista para dezembro de 2007. Mas, na semana passada, a greve dos pilotos da empresa Austral, por causa do mau funcionamento no radar do aeroporto internacional de Ezeiza - afetado pela queda de um raio desde o dia 1º de março -, acelerou o anúncio de criação da Anac. Também houve denúncias de que nas últimas semanas houve riscos de colisões e de que, na quinta-feira, a tela do radar de Ezeiza ficou apagada durante um minuto, deixando dez aviões muito próximos de um choque.

Enrique Piñeyro, ex-piloto da aviação civil que virou diretor de cinema e lançou Força Aérea S.A., afirma que 'o equipamento atual é pura sucata'. 'Desde a militarização, ou seja, nos últimos 41 anos, a Força Aérea arrecadou US$ 10 bilhões com as tarifas dos aeroportos. Era o suficiente para 'radarizar' meio planeta. Mas só contamos com um radar no país, o de Ezeiza, que é dos anos 50 e só cobre 5% do território. É um absurdo que exista um só radar. E 'existir' não quer dizer funcionar.'