Título: Dúvidas cercam caso Litvinenko
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2007, Internacional, p. A14

Dmitri V. Kovtun e seu sócio, Andrei K. Lugovoi, ambos russos, são os personagens mais emblemáticos da trama que envolve a morte por envenenamento, em 23 de novembro, do ex-agente da KGB Alexander V. Litvinenko - um dos crimes mais comentados e misteriosos desde o fim da Guerra Fria.

Litvinenko morreu vítima de uma dose letal de polônio 210. Investigadores britânicos rapidamente se concentraram nos sócios russos, que estiveram com Litvinenko em 1º de novembro, o dia em que ele adoeceu. A mídia britânica os descreveu como agentes secretos enviados para vingar a traição de Litvinenko ao sucessor doméstico da KGB, o Serviço Federal de Segurança (SFS). Mas Kovtun assegura que os três se reuniram antes, em 16 de outubro - e que foi Litvinenko quem os expôs ao polônio 210. ¿Estou longe de pensar que algo foi premeditado¿, disse Kovtun.

A versão de Kovtun ilustra as opiniões divergentes em relação ao caso Litvinenko. Sugere também que descobrir a verdade pode ser impossível em virtude da rede de associações complexas e secretas entre a Rússia e seus exilados em Londres. O elo entre os três é o Boris Berezovski, magnata russo exilado na capital britânica, cuja participação no caso nunca foi provada (leia ao lado).

Na Rússia, em contraste com a investigação na Grã-Bretanha, os procuradores estão investigando o que chamaram de tentativa de assassinato de Kovtun por exposição ao polônio (o nível de exposição de Lugovoi não está claro). Os procuradores sugeriram a possibilidade de que magnatas russos no exílio tenham ordenado o assassinato de Litvinenko e, nesse processo, Kovtun tenha sido contaminado. Parentes e amigos de Litvinenko no exterior dizem, por sua vez, que o Kremlin ou o serviço de segurança ordenou a morte de Litvinenko e agora tenta confundir a opinião pública.

Kovtun, de 41 anos, serviu na Alemanha até o fim dos anos 80 como capitão do Serviço de Inteligência do Exército Vermelho soviético. Depois do fim da URSS, ele permaneceu no país e se casou com uma alemã. Hoje dirige a Global Project, uma empresa de consultoria de negócios que fundou após retornar da Alemanha para Moscou, em 2003. A empresa é especializada em ajudar companhias estrangeiras a investir na Rússia.

ELO BEREZOVSKI

Lugovoi, como Litvinenko, é um veterano do departamento da KGB que protegia líderes importantes soviéticos e depois russos. Após o fim da URSS, ambos trabalharam para o magnata Berezovski. Aos 40 anos, Lugovoi agora é dono da Ninth Wave, uma empresa de segurança.

Em sua primeira visita, em outubro, Kovtun e Lugovoi disseram que Litvinenko parecia ansioso para apresentá-los a seus contatos comerciais em Londres. Todos os lugares por onde eles passaram em 16 de outubro - a Erinys, uma empresa de segurança internacional em Grosvernor Street; o Itsu, um bar de sushi em Picadilly Circus - posteriormente revelaram traços de polônio 210.

Kovtun foi oficialmente identificado por um procurador na Alemanha como suspeito de manuseio ilegal de polônio, quando visitou sua ex-esposa em Hamburgo, de 28 a 31 de outubro, antes de voltar para Londres. ¿Quando eles começaram a enumerar os endereços onde foram encontrados traços de polônio, percebemos que só havíamos visitados esses locais nos dias 16 e 17¿, disse Kovtun, referindo-se a sua primeira visita a Londres em outubro.

Especialistas nucleares disseram que se Litvinenko houvesse absorvido uma dose letal em 16 de outubro, os sintomas teriam aparecido quase imediatamente. Isso só aconteceu na noite de 1 de novembro, depois de sua reunião com Kovtun e Logovoi. Os dois afirmam que não pretendiam se encontrar com Litvinenko naquele dia, mas disseram que este ligou insistentemente para arranjar um encontro. Kovtun disse que estivera fazendo reuniões numa empresa de investimento na Grovesnor Street. Funcionários da saúde britânicos disseram em novembro que foram encontrados traços de polônio neste endereço. Os três concordaram, por fim, em se encontrar ainda naquela tarde num bar, onde foram encontrados mais traços de polônio (sete membros do pessoal do bar foram expostos a doses pequenas).

Quando seus nomes vieram à tona pela primeira vez, os dois se apresentaram a investigadores britânicos. Eles se reuniram com os funcionários na embaixada britânica em Moscou em 23 de novembro, algumas horas antes de Litvinenko morrer e antes de especialistas terem determinado que ele fora exposto a polônio. Traços de polônio foram encontrados mais tarde na embaixada. Kovtun foi para o hospital para realizar um exame que revelou que ele estava ¿seriamente contaminado¿ por polônio, embora não revele quanto. ¿Eu e Dmitri nos consideramos uma parte lesada¿, disse Lugovoi.