Título: O final da opereta
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Ficará para a crônica destes tempos de pequenez política no Brasil o ar de felicidade do titular reeleito do PMDB, deputado Michel Temer, em todas as fotos que o mostram nos jornais de ontem, depois do ¿resultado espetacular¿, como qualificou, exultante, o desfecho das negociações com o presidente Lula para expandir a presença do seu partido na Esplanada dos Ministérios, de duas para cinco Pastas. Eis, de fato, a imagem-síntese da enfadonha gestação da equipe do segundo mandato - a interminável seqüência de acertos mofinos, que nada tiveram, nem poderiam ter, de espetacular ou, muito menos, de elevado.

O júbilo de Temer pode ser proporcional ao produto dos seus arranjos ou uma provocativa comemoração do seu triunfo dirigida aos seus rivais na legenda, em especial o presidente do Senado, Renan Calheiros. De todo modo, ninguém há de estar mais satisfeito com o final da opereta do que o seu regente e principal protagonista. Lula gastou o tempo que quis, do modo que quis, para emergir como inconteste dono da bola, para usar uma expressão que aprecia. Alinhou com o seu governo o valioso PMDB - o da maior bancada na Câmara, com 93 deputados, e o do arquilulista governador fluminense Sérgio Cabral. Enquadrou o PT, mas, depois, deu-lhe mais do que tinha. E não deixou nenhum partido da base sem ministro.

No clássico The imperial presidency, de 1973, o grande historiador político americano Arthur M. Schlesinger Jr. (há pouco falecido) descreve o empenho dos ocupantes da Casa Branca em ampliar os seus recursos de poder, contornando as limitações que as leis e as realidades da política impõem ao chefe do Executivo. É como presidente imperial que Lula quer ser percebido. Disso não deixam margem a dúvidas as suas reiteradas declarações imperiais sobre o inebriante prazer com que conduzia a reforma ministerial. A repetição desse mantra, para inibir as pressões costumeiras nas circunstâncias, efetivamente contribuiu para que ele fosse visto pairando sobre os partidos aliados.

Mas, na prática, não pairou tanto assim. Por exemplo, diferentemente do que desejavam os seus prestigiados interlocutores peemedebistas, não nomeou para a Agricultura o ex-ministro das Comunicações Eunício Oliveira. Preferiu, entre os três demais nomes oferecidos, um deputado a quem nunca viu mais gordo, o agropecuarista Odílio Balbinotti, ligado ao governador paranaense Roberto Requião. Esperto, Lula o consultou primeiro e depois o autorizou a dar a boa nova ao escolhido. É inegável, seja como for, que o presidente fez a reforma ao seu compasso, conforme a lógica que lhe convinha e com estoques suficientes de mercurocromo para aplicar nos ferimentos dos frustrados. E o País? Bem, aí já são outros 500.

Por menos que se possa prever o desempenho dos novos ministros, para avaliar o mérito das escolhas, dois dados da realidade são patentes. Primeiro, o Brasil perdeu com as saídas de Roberto Rodrigues, da Agricultura; de Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento; e de Antonio Palocci, da Fazenda (embora este tenha feito por merecer o afastamento). Segundo, na Justiça, uma das três Pastas mais cruciais em qualquer governo, ao lado da Casa Civil e da Fazenda, Lula trocou um técnico, o respeitado operador do Direito Márcio Thomaz Bastos - embora às vezes tenha servido mais ao chefe do que ao ofício -, por um destacado membro do apparat petista, o ex-prefeito de Porto Alegre, ex-ministro da Educação e ex-presidente interino do PT, Tarso Genro.

É de assustar a nomeação desse militante em tempo integral para um cargo que deveria ficar a salvo da privatização política. Bastos podia pôr os interesses de Lula em primeiro lugar, para resguardá-lo dos malfeitos da companheirada. Genro poderá acrescentar a isso os interesses do seu partido - o que é sempre ruim e, dado o retrospecto recente, seria ainda pior. Estão longe de ser gratuitos, portanto, receios como os transmitidos ao Estado pelo presidente da Federação dos Delegados da Polícia Federal, Armando Rodrigues Coelho Neto, de que ele ¿possa ter uma visão política em relação à PF¿. Ou seja, que a transforme em instrumento das conveniências petistas, ¿refundando¿, como diria, a mais poderosa instituição policial do País.

Em resumo, o produto da vontade majestática do presidente, para usar uma metáfora que lhe é cara, está mais para time de várzea do que para seleção.