Título: A guerra do pneu usado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2007, Notas e Informações, p. A3

O governo brasileiro ainda não decidiu se vai recorrer da condenação, pela Organização Mundial do Comércio (OMC), da proibição da entrada de pneus usados europeus no País. Tem ainda um tempo razoável para decidir como proceder nesse caso, que é a primeira derrota do Brasil num contencioso comercial, terreno onde acumula muitas vitórias. O documento no qual a OMC, provocada pela União Européia (UE), força o Brasil a abrir o mercado doméstico para pneus reformados na Europa só será publicado em 21 de maio e, a partir da publicação, o governo terá 60 dias para recorrer.

A questão começou a ser debatida na OMC em julho de 2005, quando a UE questionou a proibição imposta pelo governo brasileiro à entrada no País de pneus usados, considerados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, como ¿lixo¿. No entender dos europeus, a proibição constituía uma medida protecionista. Foi esse, segundo se supõe - o relatório preliminar e confidencial só foi entregue às partes interessadas -, também o entendimento do grupo constituído pela OMC em janeiro de 2006 para examinar a questão e que foi formado por especialistas do Japão, do Canadá e de Taiwan.

Em 2003, o Tribunal de Solução de Controvérsias do Mercosul obrigou o Brasil e a Argentina a admitirem a entrada de pneus recauchutados do Uruguai. Do ponto de vista quantitativo, é notável a diferença entre o caso uruguaio e o da UE. O Brasil importa anualmente cerca de 100 mil pneus usados do Uruguai. A Europa, de sua parte, proibiu que os pneus usados sejam depositados em aterros sanitários, o que força os governos a encontrarem destino para 80 milhões de unidades por ano. Apesar da proibição, liminares concedidas pela Justiça permitiram que, em 2006, entrassem no País cerca de 7,5 milhões de pneus usados vindos da Europa.

Mesmo assim, a autorização para entrada de pneus usados do Uruguai transformou-se num dos principais argumentos da UE no processo contra as restrições brasileiras. Tais restrições, alegaram os europeus, caracterizam tratamento discriminatório, contrário às regras do comércio internacional. O argumento foi acolhido pela OMC, que rejeitou a alegação brasileira de que faltam condições para o País dar destinação final adequada do ponto de vista ambiental para importações cada vez mais intensas de pneus usados vindos da Europa.

Eufóricas, empresas européias que reformam pneus acham que a decisão pode levar à derrubada de barreiras que existem em pelo menos 20 outros países. O Itamaraty, de sua parte, não considera a decisão uma derrota para o Brasil. Embora tenha reconhecido que a proibição de importação de pneus usados da Europa constitui tratamento discriminatório, o documento da OMC ¿tem, em sua maior parte, elementos amplamente favoráveis às teses brasileiras¿ no que se refere à questão ambiental, diz nota do Ministério das Relações Exteriores. A OMC reconheceu como legítimo o uso de argumentos ecológicos e de saúde para a proibição da entrada de pneus usados - desde que, se utilizada, a medida se estenda a todos os países.

Entre os argumentos apresentados pelo Brasil estão a inexistência de métodos economicamente viáveis de disposição final de pneus que não provoquem danos ambientais, a liberação de substâncias nocivas na queima do produto e o risco de pneus abandonados se transformarem em criadouros de insetos transmissores de doenças. Já os produtores nacionais alegam que a entrada de produtos usados no mercado interno, além de gerar o problema ambiental, prejudica a indústria local e reduz o emprego.

É um tema que interessa a outros países, a começar pela Argentina, que, como o Brasil, foi forçada a liberar a entrada de pneus usados do Uruguai. Por isso, a Argentina acompanhou o processo da UE contra o Brasil na OMC na condição de terceira parte interessada. Também participaram, nas mesmas condições da Argentina, Austrália, China, Coréia do Sul, Cuba, Estados Unidos, Guatemala, Japão, México, Paraguai, Tailândia e Taiwan.

Se for mantida a decisão da OMC, o Brasil terá de mudar a legislação sobre o tema. Ou, pelo menos, terá de mudar o tratamento que vem dando aos pneus usados originários do Uruguai.