Título: 'O ministro não pode fazer o jogo de nenhum partido'
Autor: Mendes, Vannildo e Monteiro, Tânia
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2007, Nacional, p. A6

O novo ministro da Justiça, Tarso Genro, que assume hoje, defendeu o fortalecimento da Força Nacional de Segurança Pública, de forma que ela se assemelhe à guarda nacional americana. Para ele, as Forças Armadas só devem entrar no combate ao crime em casos excepcionais. Na sua gestão, a Força ganhará um grupo central operacional estável e um sistema de aquartelamento de prontidão para que possa ser mobilizada com rapidez quando solicitada pelos Estados.

Em entrevista ao Estado, Tarso disse não ver incompatibilidade entre sua condição de militante do PT e a função de ministro. Afirmou que não se desfiliará do partido, ao qual disse ter orgulho de pertencer, mas se manterá distante das polêmicas partidárias. Garantiu também que, sob sua gestão, o Ministério ¿jamais¿ se tornará partidário, pois ¿seria a desmoralização completa¿ da pasta. O ministro admitiu que pode haver revisões nos processos de anistia a pessoas que perderam seus cargos durante o regime militar, porque ele entende que podem ter ocorrido abusos.

A Polícia Federal, por sua vez, continuará realizando megaoperações de combate ao crime organizado, mas Tarso vai conversar com a OAB e outras entidades que se queixam de abusos para adotar mudanças na forma de atuação.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Há muitas críticas à atuação da Força Nacional de Segurança Pública. Há mudança prevista?

A Frente é um avanço extraordinário. Ela tem de ser aperfeiçoada, tem de ser requalificada, tem de ter um grupo central estável, com um aquartelamento, uma prontidão para intervir quando os governadores necessitarem. Ela tem de ser algo nos moldes daquilo que é a guarda nacional americana, sem interferir em quaisquer das funções constitucionais das Forças Armadas. Ou seja, ser uma força de natureza policial, preventiva, repressiva, com alto grau de operacionalidade. Não creio que a Força de Segurança Pública seja um problema. Acho que ela é uma grande conquista, que tem de ser aperfeiçoada.

O sr. pretende trocar o diretor e alterar a forma de atuação da PF, acusada de ser parcial e instrumentalizada pelo PT?

Pretendo aproveitar a colaboração do delegado Paulo Lacerda por pelo menos mais três meses. Nesse período vamos amadurecer o nome do substituto. Posso dizer que as características do próximo nome serão: o mesmo grau de isenção, republicanismo e independência com que ele se comportou em relação ao governo. Considero a acusação de uso político da PF um absurdo, uma irresponsabilidade e uma ofensa. A PF investigou quem deveria, sem nenhum tipo de contenção. Provavelmente, o grande número de atingidos na área política seja do PT. A PF agiu sempre de maneira independente. Processou e investigou políticos de todos os partidos. Muitos inclusive do PT.

Mas o sr. vai mudar o formato das operações diante das queixas contra abusos e pirotecnia, de entidades como a OAB?

Vamos conversar com a OAB e evidentemente com a PF. Uma coisa é o que acontece efetivamente. Outra - o que nem sempre reproduz o que acontece - são as queixas de pessoas, órgãos ou empresas investigadas. Provavelmente todos têm razão. Todo órgão policial comete excessos. Mas a PF vem cometendo cada vez menos, vem se tornando cada vez mais uma polícia de alto nível. Não há nenhuma dessas questões que não possa ser conversada, para ver se é necessário mudar ou não.

Os sr. vai manter prioridades como o combate ao crime organizado ou acrescentará novas?

Se eu tivesse de dar um programa de trabalho geral, diria o seguinte: vamos continuar atuando na eficiência e na expansão da PF. Uma profunda relação com os Estados, na sua qualificação técnica, institucional. Mas nós queremos agregar um novo componente, que não se contrapõe ao outro. É a integração das políticas de segurança com as políticas sociais. Para que as políticas de segurança sejam também um apoio às políticas sociais do governo, de inclusão social, educacional e de emprego, da maneira que Estados e municípios acharem mais adequado e com um foco o grande nos adolescentes em situação de risco.

O sr. pretende rever as anistias concedidas com valores abusivos?

Acho que efetivamente existe, em relação ao processo de anistia, pessoas que eventualmente possam tentar abusar da legislação. Isso aí tem de ser verificado e corrigido. Mas a essência da lei tem de ser mantida, que é a indenização simbólica que o Estado dá para o reconhecimento dos descumprimentos que o Estado teve das suas próprias limitações legais. Então, nós vamos examinar, sim, o andamento dos processos de anistia. Queremos que eles sejam mais rápidos e mais justos. O trabalho que foi feito até agora foi muito bem feito. Se tem reparos - e é claro que deve ter, todo trabalho público tem reparos -, vamos trabalhar nesse sentido.

O sr. vai continuar ajudando na reforma política?

O Ministério da Justiça vai colaborar com a discussão da reforma política enquanto o presidente outorgar mandato para isso. Vai se juntar ao Ministério da Coordenação Política e vai participar de debates e elaborações, diálogos e negociações com o Congresso, liderança dos partidos, com a OAB, para que possamos pelo menos cumprir uma pauta mínima na reforma política em cima dos três pontos já considerados prioritários: fidelidade partidária, votação em lista e financiamento público de campanhas.

O sr. não vê incompatibilidade na opção de um político militante para um ministério de perfil essencialmente técnico?

Todos os ministros da Justiça do Brasil foram políticos ou passaram a ser quando entraram lá. É impossível exercer um cargo ministerial sem ter convicção política, visão política e visão de Estado. A visão de Estado é sempre inspirada pela política. Portanto, essa visão da oposição eu tomo como uma colaboração preventiva, no sentido de que possa haver algum tipo de temor de que o ministério se torne partidário. Político ele é, sempre foi e sempre será. Partidário, ele jamais se tornará sob a minha gestão. Seria desmoralizar completamente um dos ministérios mais importantes do País. Não há nenhum precedente na minha vida pública que me vincule a limitações de natureza partidária no exercício da função pública. Vou continuar participando dos debates internos do meu partido, sou um homem de partido, me orgulho disso.

O sr. não vai se desligar do PT?

Absolutamente, vou exercer minha função de ministro da Justiça com muito orgulho de ser petista. Agora, esse exercício será republicano, não subordinado não só ao partido, como também a qualquer outro partido. Algumas críticas que fazem à partidarização nas funções públicas na verdade escondem o seguinte: façam o jogo do meu partido. O ministro não pode fazer o jogo de nenhum partido. Ele tem que fazer o jogo da Constituição, do projeto do governo e da defesa do interesse público.

E os celulares nos presídios?

Vocês estão falando dos presídios estaduais. Nos presídios federais existe um controle muito rigoroso, de altíssimo nível tecnológico. Do ponto de vista legal, as autoridades estaduais têm todas as condições de vedar a entrada de celulares nos presídios, tomar medidas preventivas. Por que não fazem? Não é culpa dos governadores atuais. Trata-se de um processo de deformação da segurança pública brasileira.

Como é que dentro do presídio as quadrilhas conseguem administrar uma indústria criminosa?

Essa é menos uma questão de normas legais, que podem ser renovadas ou recriadas, desde que não haja restrições constitucionais. Trata-se de aparelhamento técnico dos presídios, de qualificação de pessoal e de meios tecnológicos para obstruir o funcionamento desses aparelhos. Não há solução isolada.

Quem é:

Tarso Genro O novo ministro da Justiça tem 60 anos e é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (RS)

Desde a primeira eleição de Lula, foi ministro da Educação e das Relações Institucionais, titular do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e presidente do PT