Título: A reunião com os governadores
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Não é nada, não é nada, a reunião do presidente Lula e ministros com os governadores de Estado, na terça-feira, foi o primeiro fato verdadeiramente positivo do segundo mandato para a administração pública brasileira. Dadas as crônicas e com certeza insolúveis tensões entre os interesses dos entes federados, notadamente em torno da repartição de toda sorte de receitas e das dívidas dos Estados com a União - renegociadas da última vez já sob o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal, que entraria em vigor logo depois -, o encontro saiu melhor do que se esperava. O mero fato de terem os governadores desistido desta vez de armar o costumeiro cavalo de batalha em torno de suas reivindicações, descontadas as rituais queixas à imprensa - o seu Muro de Lamentações -, há de ter contribuído para pavimentar o caminho a um entendimento preliminar que convém ao arranjo federativo, logo, ao País, por restrito que seja.

Além disso, o que também não é pouca coisa, os participantes se comportaram como atores institucionais. A política, no sentido raso do termo, que situa em campos necessariamente antagônicos situação e oposição, em boa hora deixou de ser incluída nas pastas de documentos colocadas na mesa de negociações armada na Granja do Torto. Que os governadores oposicionistas não se podem dar ao luxo de hostilizar o governo, à maneira de seus correligionários parlamentares, não é nenhuma novidade. Quaisquer que sejam as suas siglas e mágoas menos ou mais secretas, sabem o quanto dependem da boa vontade do Planalto. De seu lado, de olho na História - ou, mais prosaicamente, na eleição de 2014 -, Lula quer fazer amigos e influenciar pessoas de ponta a ponta do território nacional. Segundo o noticiário, ele teria dito na reunião que se considera ¿carta fora do baralho¿. Por isso, estaria se sentindo tranqüilo para ¿discutir o pacto federativo¿.

¿Começar a discutir¿ quem sabe seria uma expressão mais realista, embora não se possa negar que foi um bom começo. Os governadores levaram ao Torto 14 reivindicações, entre elas a de uma nova renegociação da dívida, que, ao todo, soma R$ 300 bilhões, e a do repasse aos Estados de 10% da arrecadação da CPMF (outros 10% ficariam com os municípios), como se ignorassem que a União, sob qualquer governo, é capaz de tudo, menos de abrir mão de receita além do que já é obrigada em favor das instâncias subnacionais. Era apenas de esperar, portanto, que o Tesouro se recusasse a abrir mão de qualquer parcela da CPMF. Mas o governo achou uma engenhosa solução para o problema da dívida, sem renegociá-la: os Estados poderão refinanciar os seus débitos junto à banca privada, com juros especiais. De quebra, conseguiram uma fatia mais larga dos recursos do Fundeb. Nada mais natural, visto que o ensino básico é atribuição estadual e municipal.

Outras quatro bondades o Planalto ficou de ver se concede, a começar do imprescindível compromisso de não contingenciar as verbas do Fundo Nacional de Segurança e do Fundo Penitenciário. Os governadores, à saída, fizeram questão de ostentar o seu contentamento com os resultados. Foi ¿um bom diálogo¿, disse o tucano paulista José Serra, satisfeito também com o clima ¿apartidário¿ do encontro, para o que ele e o mineiro Aécio Neves deram notória contribuição (sem falar na do peemedebista Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, cujo lulismo bate o de todos os governadores do PT juntos). O ¿pequeno detalhe¿, porém, é que os resultados puderam ser o que foram porque os participantes só fizeram expressão corporal de tratar do que interessa acima de tudo - a reforma tributária. Sem ela, perca o contribuinte as esperanças de deixar de vergar sob o peso da extravagante pedreira que carrega por tanto tempo para o impassível Estado nacional (38% do PIB).

A amarga verdade é que a reforma é uma quimera. Os que se batem por ela mandam menos do que o necessário para despertá-la da sua interminável hibernação. Os que falam em seu favor, com visível hipocrisia, mandam o suficiente para que nada perturbe o seu repouso. O caso é simples: visto que não existe reforma tributária a custo zero, ela só não arde nos olhos alheios. É como se os cabeças da República Federativa - presidente, governadores e prefeitos - versejassem em coro: ¿Reforma, sim, mas sem prejuízos para mim.¿