Título: O Partido dos Banqueiros
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2007, Notas e Informações, p. A3

O governo Lula é o governo do Partido dos Trabalhadores? Às vezes. De quando em quando, como acaba de ocorrer, está no governo o Partido dos Banqueiros. E, quando isso acontece, o governo do ex-líder sindical esquece suas origens. Entre os interesses específicos dos bancos e os interesses de milhões de trabalhadores, prevalecem os primeiros.

Há meses, a Febraban pediu ao governo que adotasse providências para reduzir a rentabilidade das cadernetas de poupança. Com a queda da inflação e dos juros básicos, o rendimento da aplicação mais popular do País estava se aproximando da rentabilidade dos fundos administrados pelos bancos. E os bancos, é claro, não queriam reduzir os seus lucros. Esta semana, o Conselho Monetário Nacional - formado pelo presidente do Banco Central e pelos ministros da Fazenda e do Planejamento - decidiu mudar o cálculo da TR, que compõe o rendimento da caderneta de poupança e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Agora, quando a taxa Selic atingir os 12% anuais, a TR terá um redutor e com isso a rentabilidade da caderneta - TR mais 6% - cairá algo em torno de 10%, sendo reduzida a do FGTS - TR mais 3% - em cerca de 5%.

O ministro Guido Mantega justifica a medida com a lógica implacável de sempre. Há dias, por exemplo, o ministro enriqueceu a ciência econômica ao afirmar que a carga tributária não aumentou; a arrecadação é que subiu. Agora ele declara que ¿está havendo redução de juros, e é natural que qualquer tipo de aplicação tenha rendimentos menores¿. Muito justo. Só que, quando os juros estavam em 75% ao ano e a caderneta de poupança continuava pagando 6%, ninguém - muito menos o economista Guido Mantega - teorizou a respeito de tal conseqüência ¿natural¿.

O fato é que o redutor da TR será aplicado para garantir os fabulosos lucros dos bancos por mais algum tempo, sem que eles tenham de se adaptar às novas realidades do mercado. Como os bancos têm sobre o governo um poder de pressão infinitamente maior que o dos depositantes de cadernetas e os trabalhadores com conta no FGTS, estes últimos pagam a conta de ¿ajuste¿.

A rentabilidade da caderneta, de fato, está se aproximando da rentabilidade real dos fundos administrados pelos bancos. Mas isso ocorre principalmente porque os bancos continuam cobrando, hoje, as mesmas comissões e taxas de administração que cobravam há dois ou três anos. Há bancos que cobram 5% de taxa de administração. Isso as autoridades monetárias consideram normal. Nas raras ocasiões em que o assunto vem à tona, argumentam que a concorrência entre bancos se encarregará de ajustar o mercado. Mas foi exatamente o oposto que fizeram, agora. Em vez de deixar o mercado de fundos se ajustar, com a redução das taxas de administração, foram diretamente ao bolso dos depositantes de cadernetas e do FGTS. Não foi a mão invisível do mercado que agiu; foi a mão do gato.

Como bem observou o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, houve ¿uma transferência de renda do trabalhador para o sistema financeiro, o setor que mais lucra neste país¿. De fato. No mesmo dia em que foi anunciada a decisão do Conselho Monetário Nacional, uma empresa de rating divulgou estudo sobre os lucros dos bancos em 2006. Eles tiveram um lucro líquido de R$ 27,5 bilhões. Essa bagatela foi apenas 3,6% superior ao resultado de 2005 porque alguns grandes bancos decidiram amortizar de uma só vez aquisições que poderiam ser liquidadas em dez anos. Com as aquisições, reduziram o número de concorrentes no mercado - daí não ter sentido falar-se em mercado competitivo, no setor. E, com os lucros exuberantes que tiveram, anteciparam quitações e ainda distribuíram polpudos dividendos.

O governo sempre poderá alegar que decidiu reduzir a TR para evitar que os fundos encolham, dificultando a futura colocação de títulos públicos no mercado. Mas esse argumento não esconde o fato de que o ajuste do mercado de fundos está sendo feito em benefício dos bancos e de ninguém mais. Perdem com isso os titulares de 75 milhões de contas de poupança e de 514 milhões de contas do FGTS. Imagine-se o que aconteceria se esse não fosse o governo do Partido dos Trabalhadores.