Título: Revisão de DNA associa mais genes a tumores
Autor: Girardi, Giovana
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2007, Vida&, p. A30

Desde que o genoma humano foi seqüenciado, em 2000, já foram descobertos mais de 350 genes que, quando sofrem mutação, podem levar ao desenvolvimento de algum tipo de câncer. Mas essa identificação singular ainda não é suficiente para explicar a imensa diversidade entre os tumores, e pesquisadores da área entraram em uma nova fase dos estudos: resseqüenciar em larga escala vários genes retirados de centenas de amostras de vários tipos de câncer para descobrir um padrão nas mutações.

O pente-fino no DNA das células tumorais descobriu que o número de genes mutados que desencadeiam o surgimento da doença é maior do que se imaginava. Centenas de genes, até então insuspeitos, foram relacionados com a moléstia, de acordo com estudo divulgado hoje na Nature. E mais, o levantamento fornece novas ferramentas para separar o joio do trigo quando o assunto são as mutações.

Sofrer mudanças é um processo natural entre os genes. O próprio maquinário celular se encarrega de corrigir a maioria. Algumas são passadas para a frente porque se mostram evolutivamente mais interessantes ou porque são mesmo inócuas e só outras acabam responsáveis por doenças. O problema no entanto, ao olhar um gene, é saber qual é qual.

Para se ter uma idéia, o grupo internacional responsável pela pesquisa trabalhou com 1.007 mutações localizadas em 518 genes extraídos de 210 amostras de câncer de mama, de pulmão, de rim, de colo-retal e melanoma, entre outros. A idéia era justamente tentar distinguir quais mutações provocam tumores e quais são apenas 'caronas', que não têm relação com o desenvolvimento da doença.

'As mutações são como um registro arqueológico do que aquela célula passou ao longo da sua vida', explica Michael Stratton, do Projeto Genoma do Câncer do Instituto Sanger, do Reino Unido. As células em um tumor no pulmão são as que mais têm mutação, por conta dos danos causados por anos de fumo.

A equipe encontrou mutações causais em 120 genes - sendo que a maioria não tinha sido relacionada à doença até então. O número pode parecer pequeno em comparação com o que foi analisado, mas não é. A quantidade surpreendeu os pesquisadores. 'Se eu tivesse de chutar diria que não encontraríamos mais do que dez, em razão do que já conhecíamos', afirmou Andrew Futreal, também do Sanger.

Os genes escolhidos são de uma família já alvo dos pesquisadores por codificar uma proteína conhecida como quinase, envolvida no mecanismo de crescimento celular. Uma mutação nesses genes pode levar a uma alteração no funcionamento da proteína e, por conseqüência, a uma multiplicação descontrolada de células e ao surgimento de tumores. As quinases são alvo de alguns medicamentos que combatem os tumores, como o Glivec.

NOVA ERA

A descoberta dos 120 genes, no entanto, não exclui os demais. Não quer dizer que as mutações nos outros 398 genes não estejam ligadas a algum tipo de responsáveis por aquela amostragem específica, pondera Sandro José de Souza, pesquisador do Instituto Ludwig, em São Paulo, e do Projeto Genoma do Câncer no Brasil.

Segundo ele, o grande desafio de quem trabalha nessa área é lidar com as várias formas de manifestação dos tumores. Uma mutação específica pode ser encontrada em vários cânceres, e às vezes são necessárias várias mutações para gerar apenas um tipo de tumor.

'Há heterogeneidade entre indivíduos e entre tumores. Por isso é de se supor que a pesquisa não tenha coberto tudo', comenta. Entretanto, a expectativa é promissora: 'Com esse trabalho comparativo conseguimos identificar os genes que sofrem mais mutação e que estão presentes em vários cânceres, o que os torna alvo de terapia'.

Para Anamaria Camargo, colega de Souza, esta é a nova era nas pesquisas de genoma do câncer. 'Já tivemos um boom de seqüenciamento de genes individuais. Agora estamos resseqüenciando tudo em larga escala em busca da variabilidade. Já não basta mais trabalhar só com um câncer e um gene. Quanto mais amostras de tumor e mais genes, mais chances de identificar em detalhes como a doença é desencadeada.'

A dupla, em conjunto com outros pesquisadores, deve iniciar em breve no País dois estudos desse tipo, tendo como foco peculiaridades genéticas da população brasileira.