Título: Super-Receita e emenda 3
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Termina na próxima sexta-feira, dia 16, o prazo de que dispõe o presidente da República para sancionar ou vetar, total ou parcialmente, o projeto de lei, aprovado em 13 de fevereiro pelo Congresso Nacional, que cria a Super-Receita, resultado da unificação da Secretaria da Receita Federal e da Secretaria da Receita Previdenciária. O ponto mais polêmico do projeto, para o qual a Receita Federal pede o veto presidencial, é o que limita o poder do auditor fiscal de decidir sobre a legalidade da prestação de serviço, sem vínculo empregatício, por empresa jurídica formada por apenas um profissional.

Com a nova e gigantesca estrutura que resultará da fusão das duas Secretarias e terá o nome de Receita Federal do Brasil, o governo pretende aumentar a eficiência do sistema arrecadatório e, mais tarde, reduzir o aparato burocrático. O projeto do governo foi, na essência, acolhido pelos congressistas. Mas, durante sua tramitação, foi nele introduzida, por iniciativa do PFL, uma emenda que atribui ao Poder Judiciário, retirando-a dos fiscais, a competência de desconstituir 'pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação do trabalho, com ou sem vínculo empregatício'.

Em resumo, o que essa emenda dispõe é que cabe exclusivamente à Justiça do Trabalho decidir sobre a legalidade da relação de trabalho entre uma empresa contratante e a empresa contratada e se essa relação implica ou não existência de vínculo empregatício. Desse modo, o fiscal não pode, como vem fazendo, multar empresas que contratam profissionais que constituíram empresa para a prestação do serviço como pessoa física.

'Valendo-se de dispositivos sem amparo legal e extrapolando suas competências, agentes fiscais da Receita Federal e da Previdência vêm arbitrariamente desconsiderando a personalidade de empresas de prestação de serviços legalmente constituídas, bem como presumindo vínculo empregatício entre os seus sócios e as empresas contratantes dos serviços', denunciam 27 associações empresariais em anúncio que publicaram nos principais jornais do País. Categorias profissionais como as de engenheiros, economistas, arquitetos, médicos, dentistas, contadores, jornalistas, músicos e advogados, entre outras, estão sendo sistematicamente atingidas pela ação dos auditores fiscais.

A emenda, como alertam essas entidades, não traz nenhuma mudança na legislação. Ela apenas ratifica a competência do Poder Judiciário nesse caso. Ou, como observou há dias ao Estado o doutor pela Faculdade de Direito da USP Luiz Carlos Robortella, a emenda é uma salvaguarda contra uma ação autoritária que vem sendo praticada pelo Fisco. 'Auditor não é juiz. Está havendo exacerbação da ação do fiscal.'

Até mesmo o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, que hoje atua como consultor tributário, defende a preservação da emenda que restabelece a competência da Justiça para desconsiderar atos e negócios jurídicos de empresas, e que ficou conhecida como Emenda nº 3 ao projeto da Super-Receita. Também na sua opinião os fiscais têm multado ilegalmente as empresas que contratam empresas prestadoras de serviços.

Na área parlamentar, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), aliado do presidente Lula, bem como todos os 306 deputados federais e 64 senadores que votaram a favor da Emenda nº 3 querem que ela seja mantida no texto a ser sancionado pelo presidente da República.

Em tese, por limitar a ação dos auditores fiscais, esse dispositivo pode resultar em alguma perda de arrecadação, porque a contratação de empresas para prestação de serviços isenta a empresa contratante do recolhimento de contribuição previdenciária e do FGTS e do pagamento, para o profissional contratado como pessoa jurídica, de despesas como férias e 13º salário. É esse o principal argumento dos que, dentro do governo e no movimento sindical, recomendam ao presidente que vete a emenda. Reforçam esse argumento, afirmações de que a Emenda estimula a informalidade.

Mas o que se pretendeu com a emenda foi simplesmente limitar o poder dos auditores fiscais ao que determina a lei e deixar clara a competência da Justiça. Por isso, e para preservar a segurança jurídica, o presidente deve sancioná-la.