Título: 'Precisamos do conceito de desenvolvimento'
Autor: Amorim, Cristina
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2007, Vida&, p. A17

Em quase 80 anos de vida, Ignacy Sachs - polonês naturalizado francês, que cresceu no Brasil, formou-se adulto na Índia e integra os principais círculos do pensamento social do mundo - transitou inúmeras vezes do discurso à práxis. Uma nova coletânea de escritos seus sobre desenvolvimento, ambiente e sociedade será lançado no Brasil neste mês: Rumo à Ecossocioeconomia (Cortez Editora, 472 págs.), organizado pelo colaborador professor Paulo Freire Vieira. Em São Paulo, um de seus lares pelo mundo, Sachs fala sobre desenvolvimento sustentável, oportunidades e a maior ironia da história.

O sr. defende ¿estratégias de desenvolvimento socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado¿, pela superação da hegemonia neoliberal. Como, se estamos inseridos nesse contexto?

A grande ironia da história foi que a tomada da consciência ecológica, que coincide com a Conferência de Estocolmo em 1972, aconteceu junto à contra-reforma neoliberal. As idéias sobre como regular um mercado com respeito à condicionalidade ecológica e aos impactos sociais positivos surgiram no momento em que se tentou demolir o capitalismo reformado, que predominou de 1945 a 1975. Chegamos a Estocolmo após 30 anos de crescimento rápido e progressos sociais discutíveis, quando estragamos terrivelmente a natureza. E no período de 1970 até o fim do século vigorou a contra-reforma neoliberal, que complicou a estratégia. Então vamos corrigir isso, com o desenvolvimento orientado para objetivos sociais mas integrando condicionalidades ecológicas. É melhor reconhecer o conflito do que colocá-lo debaixo do tapete.

Da Cúpula da Terra até agora, houve mudanças na direção do desenvolvimento sustentável?

Houve mais retrocesso do que avanços. Estamos há 15 anos da Cúpula da Terra. O número de cidades que implementaram a Agenda 21 é muito reduzido. Não se fez o necessário para que as principais mensagens chegassem à opinião pública enquanto o interesse criado pela conferência existia. Deveríamos ter produzido uma espécie de folheto, em que cada capítulo da Agenda 21 fosse resumido em uma página, com outra para sugestões. Uma resolução deveria ter sido votada na Assembléia Geral das Nações Unidas para que o documento fosse traduzido em todas as línguas do mundo e difundido largamente na sociedade. Teríamos gerado um movimento ao redor da Eco-92, e esse movimento não aconteceu.

É possível retomar o interesse?

Estamos num momento novo. Propor o que foi discutido em 1945 ou 1972 obviamente não funciona. Porém, recolocar o debate atual numa perspectiva histórica, do que aconteceu e o que está acontecendo, é absolutamente indispensável. O momento atual é marcado pelo fato de que nossas intervenções funcionam como um entrelaçamento do processo do desenvolvimento da humanidade e do processo histórico. Durante algum tempo, o que fazíamos não interferia de forma significativa no âmbito maior. Hoje adquirimos tecnologia necessária para desencadear um processo de mudança climática que, se não for contido a tempo, trará ameaças à própria humanidade.

Como repensar o debate ambiental frente aos planos de desenvolvimento arraigados nos governos?

Mais do que nunca precisamos do conceito de desenvolvimento. É um instrumento de avaliação do que passou para um conceito normativo. Acho descabível abandonar a idéia do desenvolvimento. É como dizer que o doente está com febre e a febre não baixou, então joga-se fora o termômetro. Não quero dizer que tivemos um processo favorável, aceitável, positivo. Não! Usei em várias ocasiões um conceito que não se firmou no Brasil, mas em outro países sim, de mau desenvolvimento.

O que é mau desenvolvimento?

O crescimento econômico com resultados sociais e ambientais positivos, numa trajetória triplamente vencedora, é desenvolvimento. Um crescimento forte, mas com impactos sociais e ambientais negativos, não é desenvolvimento; é crescimento social e ambientalmente perverso.

É possível juntar as premissas?

Todo o debate sobre crescimento gira em torno das diferentes formas de como o econômico, o social e o ambiental se combinam. O crescimento econômico razoável, com pleno emprego e destruição ambiental monumental é justamente capitalismo reformado. Então vamos partir para corrigir este terceiro ponto.

O Brasil segue três premissas negativas?

Ele tem um crescimento pífio, com uma política social de cunho assistencialista e problemas ambientais que se avolumam.

O problema pode virar uma oportunidade para o País?

O Brasil, como todos os países latino-americanos, teve uma trajetória de crescimento rápido, porém socialmente perverso: um modelo que os latinos chamaram de excludente e concentrador. O problema é como passar deste para um modelo includente e descentralizador. Pessoalmente acho que abre-se uma janela de oportunidade extraordinária com a bioenergia. Se for bem conduzida, sua expansão pode alavancar um novo ciclo de desenvolvimento rural includente e sustentável. Se for bem conduzido. Se deixada aos mecanismos do mercado, corremos o risco de ter mais latifúndio e mais favelas. Obedecendo a um conjunto de critérios de eficiência energética e sustentabilidade ecológica e critérios sociais, de geração de oportunidade de trabalho ao longo da cadeia da agroenergia, aí vamos avançar.

Quem é: Ignacy Sachs

Preside grupo consultivo sobre biocombustíveis nas Nações Unidas

Dirigiu o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo (França) até 2004 e escreveu mais de 20 livros