Título: Bilac, Cofins e CPMF
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2007, Notas e Informações, p. A3

Os impostos brasileiros não são apenas pesados, injustos, complicados e antieconômicos. Alguns deles são também, por malandragem do governo, inconstitucionais. É o caso dos tributos em cascata. Incidem uns sobre outros, como se o fato de o cidadão dever alguma coisa ao Estado o tornasse devedor também da União, ou vice-versa. É o que ocorre, por exemplo, quando o PIS e a Cofins, tributos federais, são cobrados sobre uma base de cálculo que inclui o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual. Pelo menos nesse caso, há esperança de que a Justiça ponha as coisas em ordem, diminuindo um pouco a baderna tributária do País.

Em São Paulo, um juiz da 16ª Vara Federal Cível deu ganho a um contribuinte com base num julgamento ainda incompleto do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse julgamento foi suspenso em agosto do ano passado, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo, mas nesse momento 6 dos 11 membros do tribunal já haviam votado a favor da suspensão da cobrança das duas contribuições sobre uma base que inclui o ICMS.

A ação em julgamento no STF é um recurso contra uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que julgou constitucional aquela cobrança. Os advogados da empresa envolvida no processo afirmam que PIS e Cofins, de acordo com a lei, só podem incidir sobre o faturamento e que o ICMS incorporado no preço não é, tecnicamente, parte da receita, já que é pago ao Tesouro estadual.

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio, deu razão à empresa, afirmando que o Tribunal Regional Federal havia formulado sua conclusão a partir de uma premissa errônea. O ICMS, argumentou o relator, não é receita, mas um custo fiscal, e não se pode, portanto, incluí-lo na base de cálculo de outro imposto ou contribuição.

Cinco ministros concordaram com o relator, em seus votos, mas o julgamento, suspenso há quase sete meses por um pedido de vista, permanece incompleto e o procurador-adjunto da Fazenda Nacional, Fabrício Da Soller, disse esperar, segundo o jornal Valor, que ainda possa ocorrer uma reversão no final do processo.

É difícil imaginar como isso possa ocorrer, depois de conhecidos os pontos de vista da maioria dos ministros. O Fisco, no entanto, mantém a disposição de lutar pela receita fiscal até o último instante. O Ministério da Fazenda só tem jogado a toalha e reconhecido a derrota antes do final em raríssimos casos. Pior para o contribuinte, pior para o Judiciário, que permanece atolado em processos, e pior para o País.

A incidência de tributos em cascata é uma das piores características do sistema brasileiro. Essa distorção se manifesta diretamente na maior parte dos casos, mas também pode ocorrer de forma indireta. É o que ocorre quando o contribuinte não consegue aproveitar os créditos fiscais a que tem direito. Muitos exportadores enfrentam essa dificuldade, o que significa, na prática, que o sistema de ressarcimento do ICMS recolhido em etapas anteriores da circulação do produto deixa de funcionar. Uma das conseqüências dessa perversão do sistema é a perda do poder de competição diante de produtores de outros países.

Os casos mais ostensivos de tributação em cascata são aqueles que envolvem a cobrança de contribuições. O mais escandaloso entre todos é o da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o mais perverso dos tributos brasileiros. Empresas e indivíduos já são tributados por lucros, salários, propriedades e consumo. Pagam pesados impostos - diretos e indiretos - semelhantes àqueles cobrados na maior parte do mundo civilizado. Mas pagam também, e esta é uma perversão tipicamente brasileira, um tributo especial sobre tudo aquilo que já foi tributado. Se o consumidor compra um aparelho de televisão, paga os impostos incidentes sobre a produção industrial, sobre a circulação de mercadorias e, sendo o caso, sobre o crédito. Mas, ao emitir o cheque, ainda paga um tributo sobre a mera liquidação da transação comercial. Bilac foi mais profético do que pretendia ao anunciar: ¿Criança! Não verás país nenhum como este.¿