Título: O Brasil e o banco de Chávez
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/03/2007, Notas e Informações, p. A3

O governo brasileiro decidiu contemporizar, em vez de rejeitar, de uma vez por todas, o plano do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de criação do Banco do Sul. O assunto foi mais uma vez debatido, nesta semana, durante a reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), realizada na Guatemala, e a proposta venezuelana, apoiada anteriormente pelo presidente Néstor Kirchner, da Argentina, agora tem o respaldo também das autoridades bolivianas e equatorianas. O caminho escolhido por Brasília - prolongar o exame do assunto e evitar uma decisão a curto prazo - pode evitar aborrecimentos diplomáticos neste momento, mas envolve um risco não desprezível. Enquanto o tema continuar em pauta, as pressões favoráveis à proposta do presidente Chávez poderão intensificar-se e a recusa poderá tornar-se politicamente mais custosa.

A América do Sul dispõe de dois mecanismos financeiros de alcance regional para os projetos de desenvolvimento. O mais amplo e mais tradicional é o BID. Seus dirigentes e burocratas têm longa experiência no financiamento dos governos sul-americanos. Seu último presidente, o uruguaio Enrique Iglesias, abriu há vários anos a discussão sobre planos de integração regional. Não é uma questão simples, mas vale a pena buscar mecanismos de apoio a projetos desenvolvidos em parceria por dois ou mais países sócios da instituição. O outro mecanismo é a Corporação Andina de Fomento (CAF), de cujo capital o Brasil participa.

Nas últimas discussões, na Guatemala, representantes brasileiros defenderam o fortalecimento dessas duas instituições e uma exploração mais ampla de suas possibilidades. É o caminho mais sensato. O debate sobre a integração física da América do Sul intensificou-se desde os anos 90, principalmente por iniciativa de Brasília. O BID e a CAF envolveram-se na discussão, mas ainda é preciso avançar na formulação de soluções técnicas.

Os defensores da formação do Banco do Sul apresentam argumentos essencialmente ideológicos. Segundo o ministro da Economia do Equador, Ricardo Patiño, é preciso criar uma alternativa ao sistema financeiro internacional, pois o atual sistema só tem servido para apoiar políticas concentradoras de renda e de riqueza, deixando de lado as necessidades dos pobres.

Criado em 1959, o BID é formado por 26 países da América Latina e do Caribe e entre seus financiadores se incluem os EUA, o Canadá, 16 países europeus, o Japão, Israel e a Coréia do Sul. Os latino-americanos têm 50,02% dos votos. Os EUA, 30%, porque contribuem com a maior fatia do capital. O Banco do Sul, segundo os defensores da proposta, seria uma instituição livre da influência norte-americana. ¿Estamos em uma ofensiva¿, disse o ministro das Finanças da Venezuela, Rodrigo Cabeza, referindo-se à manobra para diminuir a influência dos EUA. Não se trata apenas de criar uma alternativa ao BID. Também o Banco Mundial e o FMI são alvos da contestação liderada por Chávez.

Não há nenhum bom motivo para o governo brasileiro se envolver na aventura. A idéia do Banco do Sul tem um vício de origem. Muito mais que uma proposta econômica para o desenvolvimento regional, é mais um elemento da política do presidente Chávez de confrontação com Washington.

Alguns governos sul-americanos apóiam a idéia, neste momento, por evidente motivação ideológica. O engajamento das autoridades bolivianas e equatorianas tem um sentido claramente político. A adesão do presidente Kirchner tem outro caráter. O governo argentino depende, neste momento, do apoio do Tesouro venezuelano para a rolagem de uma parcela significativa de sua dívida. Sem acesso ao mercado financeiro internacional e com dificuldades para se entender com o FMI, o governo do presidente Kirchner aceitou uma relação de dependência com o presidente Hugo Chávez. O governo petista contribuiu, tanto por ideologia quanto por erro de cálculo, para a consolidação da influência regional de Chávez e para a formação do eixo Buenos Aires-Caracas. Demorou a perceber o erro e agora paga o custo político desse engano.