Título: Para sair do 'pior dos mundos'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2007, Notas e Informações, p. A3
O governo Lula e o presidente em pessoa tiveram na quinta-feira o seu melhor momento desde a reeleição. Em primeiro lugar, o Ministério da Educação produziu um projeto para o setor que tem tudo para não se perder pelo apelido - ¿PAC da educação¿ - com que o Planalto vinha se referindo à iniciativa. É simplesmente incomensurável a distância entre o artificioso Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), apresentado como o abre-te Sésamo da retomada da expansão da economia nacional, e o bom Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) anunciado sobriamente pelo ministro Fernando Haddad. Em segundo lugar, como se já não bastassem os muitos méritos do pacote educacional - a começar do seu enfoque adequado para enfrentar os porquês da calamidade que é o ensino brasileiro -, o presidente Lula, na solenidade de seu lançamento, fez uma alocução talvez inédita nesses 4 anos, 2 meses e 15 dias no poder.
A retórica da onipotência e do ¿nunca antes na história deste País¿ sumiu sem deixar traço, substituída por um improviso realista, humilde - e, por isso mesmo, exemplarmente digno. Ele não se limitou a reconhecer, sem atenuantes, que a educação no Brasil está entre as piores do mundo (na versão oficial, foi como se ele tivesse dito ¿no pior dos mundos¿, mas isso é detalhe). Num gesto de óbvio significado político, apelou aos anteriores ministros da Educação, entre eles o atual deputado tucano Paulo Renato Souza, para que colaborem com a ¿grande reforma¿. Pôde fazê-lo em larga medida por que Haddad, oriundo da academia (titulado em Direito, Filosofia, Economia e professor de Ciência Política) e embora filiado ao PT, não se furtou ao diálogo com os principais especialistas da área na administração Fernando Henrique, desde quando tocava a Pasta, como o segundo na gestão Tarso Genro.
Alguns desses interlocutores, além de figuras expressivas de organizações sociais ligadas ao setor, estavam presentes ao ato e decerto tiveram a grata surpresa de ouvir do presidente que ele não se considerava a pessoa mais qualificada para discutir os rumos para a melhoria do ensino. ¿Estou apenas representando uma demanda de que sinto necessidade¿, situou-se, ¿mas quem dará a resposta certamente serão vocês, não eu.¿ E ainda instou o ministro a abrir-se para a ¿gente que sabe coisas que ele não sabe¿. A história do governo Lula seria outra se ele tivesse assumido com esse enfoque - mas ainda é tempo de adotá-lo, agora que não precisa fazer da administração um vasto palanque eleitoral e que tomou a providencial decisão de não substituir Haddad pela ex-prefeita Marta Suplicy, para atender à fronda paulista do partido. A continuidade de gestão é meio caminho andado para o PDE não ser apenas um elenco de boas intenções.
E elas serão exeqüíveis se não faltarem os R$ 8 bilhões que o plano consumirá em 4 anos. (Para 2007, estão garantidos por ora somente R$ 600 milhões.) O grosso irá para aqueles dos mil municípios com as piores escolas, que, em troca de apoio técnico e financeiro, seguirem a orientação do Ministério. Esse é um dos achados na vintena de programas do PDE. É o que promete resultados mais rápidos, ao estimular os municípios a atingir índices de qualidade que lhes renderão maiores financiamentos. Os principais se dirigem, como deve ser, para a educação básica e o ensino infantil - com a virtude de fechar o foco no aluno. Assim, a avaliação da aprendizagem se estenderá a crianças já a partir dos 6 anos. A combinação dos resultados das provas com os dados do fluxo escolar (índices de evasão e repetência) para orientar a política de incentivos aos municípios é ¿excelente¿, julga a presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, na gestão Paulo Renato, Maria Helena Guimarães de Castro, atual secretária de Educação do Distrito Federal.
A preocupação em conhecer a realidade do ensino se manifesta também na ampliação do Censo Escolar, que passará a incluir informações individuais sobre os alunos - o que não é comum nem em países adiantados. Na outra ponta do processo, a do professor, prevê-se o aumento do piso salarial na rede de educação básica para cerca de R$ 800. Todo esse professorado poderá se graduar na Universidade Aberta do Brasil, de ensino a distância, e deverá se atualizar a cada 3 anos.
É claro que nada mudará da noite para o dia. Mas o horizonte da mudança está traçado.