Título: Copom - muda o autor, não o estilo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2007, Economia, p. B2

Os que esperavam que a saída de Afonso Bevilaqua do Comitê de Política Monetária (Copom) transformaria esse organismo em cultor do desenvolvimentismo se decepcionaram com os termos da Ata da 125ª reunião, a começar pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que depois de lê-la denunciou o que considera um excesso de cautela do Banco Central (BC) na administração dos juros.

A ata perdeu seu redator oficial (Afonso Bevilaqua), no entanto manteve seu estilo e , para muitos observadores, transmite a impressão de que as autoridades monetárias assumiram uma atitude ainda mais conservadora.

Esperava-se que o documento não repetisse que ¿a flexibilização monetária seja conduzida com parcimônia¿, mas a frase foi mantida ¿ipsis litteris¿. Pior que isso, não foi repetida a frase das três atas anteriores, segundo a qual a redução cautelosa dos juros básicos está contribuindo para aumentar a amplitude do ajuste monetário total a ser implementado, o que dá a impressão de que o Copom está renunciando a uma redução lenta e contínua da taxa Selic.

Seria necessário a ajuda de um psicanalista para explicar as ¿nuances¿ do documento. Pode-se pensar num gesto de independência, depois da tentativa do governo de intervenção nas decisões das autoridades monetárias, cuja função é manter a taxa de inflação nos limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional.

No entanto, é normal que numa decisão tomada em momento de turbulências no mercado financeiro e, mais ainda, de incerteza quanto à evolução da economia norte-americana as autoridades monetárias se mostrem cautelosas, apesar de a análise do Copom sobre a evolução tanto dos fundamentos internos como do cenário internacional não justificar um temor da mudança do clima.

A reação do ministro da Fazenda, Guido Mantega, nos parece mais preocupante. Não cabe a ele julgar as decisões do Copom, mas parece que está tentando apontar um eventual culpado pela eventualidade de malogro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): os juros elevados fixados pelo BC.

Os juros praticados pelos bancos continuam anormalmente elevados e não refletem a redução da Selic, embora não impeçam uma expansão do crédito pessoal que favorece uma demanda em parte coberta pela importação. O ministro, no entanto, não parece convencido de que o grande freio do crescimento é a carga tributária.